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Precisamos invadir a política

No fim de semana retrasado, a votação do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff foi transmitida com ares de jogo da Copa do Mundo. Não poderia ter sido diferente: a agenda midiática mainstream, com seu usual sensacionalismo disfarçado de cobertura jornalística, ajudou a criar esse cenário pouco informativo, mas bastante barulhento. Em Brasília, pichações “Fora Dilma” se transformavam em “Bora Dilma” para, em seguida, se tornarem “Vai emBora Dilma” – rabiscos antagônicos, mas constituídos da mesma base, se atropelando em busca de voz dentro desse mar de polarizações que pouco beneficiaram o debate público. No dia seguinte à votação, o sentimento foi parecido entre as pessoas que conheço e partilham pontos de vista alinhados com os meus: a demagogia que, a cada voto, escorria da televisão, era de causar profundas náuseas até no mais forte dos estômagos. O artista Augusto Botelho sintetizou bem o sentimento que estou falando nesse quadrinho aqui.

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Trecho do quadrinho de Augusto Botelho

A votação foi extremamente violenta e parecia mais uma espécie de programa da Xuxa: deputados mandaram beijos para a família, falaram das “empresas religiosas” que fazem parte (é o que essas igrejas infiltradas na política são), reforçaram os valores machistas e elitistas de nossa sociedade, homenagearam assassinos e fizeram muitos outros comentários que, nas entrelinhas, guardam o desprezo aos direitos humanos, aos direitos trabalhistas e a outros itens essenciais para o bem-estar da população como um todo – e que são recentes, em construção e conquistados com luta. O circo que tomou o lugar de um momento que deveria ser, supostamente, uma discussão política séria, escancarou que essa ideia de impeachment está movida por interesses particulares de grupos que querem impunidade e a manutenção de privilégios econômicos, sociais e afins. Caso contrário, figuras como Cunha, Bolsonazi e outras não estariam tão engajadas na questão. Nesta lista aqui tem algumas das justificativas mais bizarras de votos, vejam. E aqui é possível ler sobre os próximos passos: para que Dilma perca o cargo, são necessários os votos de pelo menos 54 senadores. Muita coisa ainda vai acontecer.

Não sou uma grande entendida do sistema político como um todo. Existem várias camadas que separam o que é dito do que é realmente verdade, e os trâmites são todos muito complicados. Mas é importante ter disposição e vontade de aprender cada vez mais sobre como desvendar essas coisas. Não importa o modelo de sociedade que a gente deseja, o atual é esse, precisamos entendê-lo e a internet está aí pra isso, vamos aproveitá-la! De qualquer forma, não tem como negar que a suposta ~faxina~ no Congresso que muitos ingênuos (ou mentirosos mesmo) ousaram acreditar é mais uma disputa de poder do que vontade de ajudar o povo brasileiro. Basta lembrar do presidente da Riachuelo falando que, sem a Dilma, seria “instantânea” a volta de investimentos no país. E com as pessoas exploradas em empresas terceirizadas contratadas por ele, será que ele se importa? Creio que não devemos nos iludir quando algo assim vai à tona e a empresa diz que vai exigir cumprimento de leis trabalhistas das terceirizadas que contrata, como se tivesse acabado de descobrir o caso. Pelo preço que os produtos são comprados, é possível saber se são oriundos de condições precárias de trabalho ou não – algo que deveria ser verificado antes de qualquer contrato, não é mesmo? Terceirização é uma ótima maneira de lavar as mãos. E a exploração e o trabalho análogo à escravidão são o modus operandi do lucro, e não excessões. Nem emprego em shopping escapa, o McDonald’s que o diga.

E o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que acha que as leis trabalhistas devem ser flexibilizadas e que os trabalhadores devem ter 15 minutos de almoço, porque nos Estados Unidos é “normal” ter gente que opera máquina com uma mão e come sanduíche com a outra? Será que ele se importa com a população em geral? Será que ele engole o próprio filé mignon com pressa? A Fiesp não quer ‘pagar o pato’, como vem pregando em campanha, mas quer que a gente pague. Só quem nunca trabalhou na vida vai acreditar nessa conversa de que a pessoa poderá ir mais cedo pra casa se o horário de almoço for reduzido, como o cara alegou. E ele fala de outras propostas absurdas de retirada de direitos trabalhistas e inserção de jovens no mercado de um modo que duvido que parta de um viés que priorize os estudos e o desenvolvimento deles (aqui tem a entrevista completa).

A introdução do impeachment na agenda política & midiática do país me parece mais uma birra de machos poderosos que não aceitam brincar se não forem os donos da brincadeira contra uma presidenta eleita democraticamente (para que seja possível tentar entender os dois lados: aqui é possível ler argumentos de quem é contra o impeachmentaqui de quem é a favor). Não vejo pautas que realmente tragam melhorias para a população, e não apenas para empresários e correlatos, sendo abordadas dentro dessa discussão. Temos que lembrar que não é só desenvolvimento econômico a qualquer custo que traduz a qualidade de vida de um país, mas também direito à saúde, moradia, alimentação, educação, respeito à diversidade, livre expressão de gênero e orientação sexual e afins.

No entanto, essa treta toda não é uma surpresa. Em 2014 já fomos avisados que o Congresso eleito atualmente é o mais conservador desde 1964. De acordo com uma pesquisa do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), houve um grande aumento de militares, religiosos e ruralistas na política. “As pessoas não sabem o que fazem as instituições e se você não tem esse domínio, é trágico”, alegou o diretor da instituição na época em que a pesquisa foi divulgada. Infelizmente, marketing, publicidade e celebrização de candidatos parecem ter grande eficácia na batalha eleitoral, o que facilita o lado de quem tem dinheiro e visibilidade. Ideias complexas e que abalem o status quo acabam ganhando menos espaço, porque promovem redistribuições de privilégios que o poder instituído não quer ouvir falar. Por isso, é importante entendermos também o conceito de quociente eleitoral. Não adianta votarmos apenas em indivíduos sem entender o histórico e as propostas deles e que tipo de pessoas podem “puxar” junto.

Tem uma reportagem da Pública que mostra a “dinastia da Câmara”: quase metade dos deputados são membros de famílias que, em alguns casos, possuem poder político desde o período colonial no Brasil. E não só na Câmara é assim, mas também em outras esferas de poder. Leiam a matéria inteira aqui, porque vale a pena. Ela mostra que a política, que era pra ser uma “atividade aberta a todos os cidadãos”, acaba virando um negócio mantido por “clãs” preocupados com enriquecimento pessoal e que já possuem vantagens e conhecimentos sobre as estratégias do jogo. Os especialistas e professores entrevistados afirmam que a desinformação e despolitização são fatores marcantes no processo eleitoral do país e o sistema político brasileiro precisa ser rediscutido – e debatido.

Portanto, é bom tentarmos localizar qual o nosso lugar e a nossa posição dentro disso tudo. Política pode parecer algo muito distante da realidade de muita gente, mas aqueles homens vociferantes declarando absurdos em rede nacional não estão longe de nós. Eles são os nossos chefes, os donos das empresas que nos terceirizam (ou “pejotizam”, no meu caso e no de tantos colegas da área de comunicação e afins), os caras que não estão nem aí para agrotóxicos em nossos alimentos, os que colocam direitos de empresas acima dos de pessoas, os que empurram produtos industrializados para bebês e crianças, os que nos humilham e assediam moralmente e sexualmente nas ruas, faculdades e ambientes de trabalho, os que matam gays e lésbicas ou incitam violências contra essas pessoas, os que são contra cotas porque não querem perder mão-de-obra barata, os que promovem violência policial, os que poluem águas, acumulam terras, constroem catástrofes… Os que lucram com nossos problemas e, por isso, não se interessam em resolvê-los.

Podemos até achar que não entendemos de política, mas ela está entranhada em nosso dia a dia o tempo inteiro. Apenas não temos, muitas vezes, autoestima para achar que nossa percepção tem validade e nem ferramentas necessárias para decodificar os processos políticos, o que significam, de onde vieram, para onde vão. Por isso, o meu objetivo com esse texto não é convencer pessoas a acreditar em x ou y, embora eu tenha deixado evidente uma pequena parte dos meus pontos de vista. Com tanta coisa mudando o tempo inteiro, meu intuito foi apenas refletir superficialmente sobre o cenário atual e incentivar mais gente a participar de discussões desse tipo. Sendo este blog um espaço feminista, acho importante buscar falar sobre essas questões, pois sei que muitas mulheres não tem suas opiniões respeitadas ou levadas a sério e acabam se afastando de alguns debates mais amplos. É um texto para as mina, os mano e as mona pensarem, de forma conjunta, se estamos satisfeitos, se nos sentimentos representados, o que achamos que deve mudar e, principalmente, o que não sabemos e pode ser importante começarmos a saber?

E mais: quais as brechas nos espaços de poder que podem ser aproveitadas? Quais as mudanças que queremos ver não apenas em nossas vidas, mas em nossas comunidades? Quais as prioridades do Brasil atual dentro da nossa perspectiva de militância? Como andam as coisas para as mulheres como um todo, para as mães, para as pessoas negras, para a população LGBT, para os moradores de periferias, para os jovens, para os idosos e vários outros grupos pouco lembrados nas discussões desses homens que se dizem tão preocupados com o futuro do Brasil? Como elas podem ficar? Estas são perguntas que faço não apenas às pessoas que estão lendo esse texto agora, mas a mim mesma. A única certeza que tenho, no momento, é que representatividade importa e é a falta dela nos ambientes de poder que empobrece as discussões atuais e faz com que esse monte de macho, branco, rico, empreiteiro, pastor, traficante, militar, empresário, fazendeiro e afins toquem as demandas deles como as mais importantes.

Informação é poder. Precisamos aproveitar a nossa era, que favorece a comunicação em redes e a construção coletiva de conhecimento, para criar um novo cenário. Vamos tentar?

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“Não é uma história particular, é um momento histórico”

Após conversa informal com a jornalista Gabriela Sobral – pessoa maravilhosa e uma das minhas melhores amigas –, decidi convidá-la para escrever um pouco do que ela me disse aqui no blog. Ela me fez pensar em um nível mais particular sobre a importância de políticas multiplicadoras, ou seja, que capacitam e empoderam as pessoas e permitem que essa capacitação e empoderamento possam ser repassados. Porque não dá para centralizar poder e dinheiro em uma mão só ou pensar apenas em ensino técnico a fim de se ter uma mão de obra mais qualificada. Precisamos transformar as pessoas em personagens principais das próprias vidas. Outro aspecto interessante que ela abordou é o fato de que temos sim que botar para fora as nossas ideias, debater. Conhecimento é uma coisa que a gente constrói coletivamente e, enquanto mulheres, somos treinadas a achar o que a gente pensa irrelevante. Não é.

Esse é um texto pessoal em um blog pessoal, então caso esperem uma análise política bem técnica, não vai ser aqui, nesse post. E embora eu tenha críticas ao governo atual, como todo mundo (/serracomedor, sdds eleições 2010), acredito que dentro das nossas escolhas atuais, o prosseguimento dele é ideal para a continuação da construção de uma sociedade mais justa. E vamos torcer para que os debates só cresçam e na próxima vez, o poder legislativo eleito no Brasil seja menos triste, conservador, religioso, militar, empresário, zuero, machista, homofóbico, etc.

Fiquem com o texto de Gabriela:

As eleições chegaram e agora já, quase, passaram. Parafraseando Drummond, foram tempos de partidos, foram tempos de mulheres e homens partidos. Contudo, ninguém pode negar que o debate é mais que salutar (claro, aquela conversinha coerente e não o discurso de ódio como vemos na maioria das vezes). Debatendo, você não só afirma os preceitos democráticos, coloca-se na esfera de debate, vê-se como parte da sociedade civil, como também passa a refletir sobre coisas que você acredita, mas que ficavam silenciadas. Por isso, hablar é importante para que sua voz ganhe legitimidade, mesmo que seja ali naquele bolo com café ou no sanduba nojento com a amiga. Ninguém precisa estar na Globo. Acredite, é nos micro espaços que ocorrem as transformações.

Suas percepções políticas se constroem por motivações culturais e pelo conhecimento adquirido, nas instituições rígidas como a escola, universidades ou na convivência familiar, no vai e vem da rua mesmo. O importante é você usar suas experiências, colocando-se num todo, pois é na coletividade que se produz os grandes arranques sociais. Por isso, coloque o seu discurso na roda, nada de risinhos e acenos de sim com a cabeça. Fale! Só assim criamos novos espaços de discussão e legitimamos nossas causas.

Eu respeitei muito isso, nessas eleições, abstive-me algumas vezes, preguiça mesmo. Outras tive que respirar fundo e ir adiante. Não foi fácil ouvir referências à presidenta Dilma como “vagabunda”, “safada”, “cachorra”. Essa misoginia me deixava doente, triste de verdade. Pensava como uma mulher presa e torturada, em um dos períodos mais cruéis, pode ser chamada assim.

Por isso, decidi trazer as coisas nas quais acredito; a minha história de vida para o contexto no qual estou inserida, pois o debate, o lugar da fala é o lugar da construção simbólica, na qual temos que buscar nossa representatividade. Olhando sempre para o lado, analisando sempre o contexto social, pois é nele que se dá a vida. Claro que as criações artificiais são importantes e a questão econômica mais importante ainda. Contudo, acredito que as políticas sociais – isso quer dizer políticas que têm um caráter de alcance e transformação na vida social e não só em termos estruturais – equalizam outras tantas questões que fogem às análises tecnicistas.

Essa coisa de olhar pra fora, de se retroalimentar das experiências, como forma de perceber o que anda acontecendo, eu aprendi desde criança. Minha mãe sempre foi professora. Mas foi graças à expansão e revitalização do ensino universitário, iniciado no governo Lula, que ela pode fazer mestrado e depois prestar concurso para graduação em letras libras na Universidade Federal do Pará. Isso, é claro, melhorou nossa vida financeira, mas melhorou ainda mais a vida da minha mãe, a minha vontade de também me qualificar, a autonomia dela, que, hoje, chefia a faculdade de línguas modernas e estrangeiras da UFPA. Além disso, pude escolher onde estudar, vim morar em Brasília, hoje curso um mestrado profissional, no IPHAN, que também faz parte das novas políticas. Enfim, tive oportunidades imensas, não só porque minha mãe se beneficiou, mas porque houve um investimento no ensino público e porque eu estava imersa em um momento de produção de conhecimento, de auto estima, de mudanças, de um um presente bom e palpável e um futuro a vir .

As políticas públicas são feitas a partir do princípio das escolhas drásticas, no caso, reestruturar o ensino superior. Com isso, não é só a Liza que passa a ser uma funcionária pública e ganhar mais, são os filhos da Liza que passam a ter mais condições de investir em suas carreiras, o filho da Liza que passa a ver a mãe (mulher) como chefe de família, a filha que recupera a tranquilidade e passa a investir na sua vida, a Liza que pode ajudar o neto, a Liza e todos e todas que a cercam passam a viver um momento histórico/social de desenvolvimento pessoal e material. Não é uma história particular, é um momento histórico.

Acho que o discurso do “vamos cortar gastos”, “vamos enxugar a máquina pública”, “a máquina está inflada” é reducionista. O aumento de programas sociais, a criação de programas e políticas públicas requerem uma estrutura burocrática mínima. O Ministério da Justiça, por exemplo, que, antes, só cuidava das suas ações básicas passar a ramificar a sua atuação para alcançar a sociedade civil.

Não funcionando como uma estrutura hermética, mas uma estrutura que incorpora e chega às pessoas. Hoje, ampliou-se as ações da comissão de anistia, com isso criou-se o movimento da comissão da verdade, o ministério passa a ter uma política efetiva contra o tráfico humano. Enfim, para isso, sim, os ministérios vão inflar, crescer. As políticas econômicas tem que ser contempladas? Óbvio. Mas atentemos para esse discurso do corte. Pois, a longo prazo, as políticas sociais que transformam uma sociedade.

Tudo isso mostra que minha história pessoal influi no meu voto? Sim. E isso é bom, pois mostra o quanto eu sou preenchida pelas minhas experiências. Aquele que diz em afastamento ou isenção, parece-me vazio. Agora, isso não significa individualismo. Pelo contrário, foi pela minha vivência e, principalmente, pela trajetória da minha mãe que pude aprender a colocar a Gabriela na prática social e aprender a ver o todo.