Após conversa informal com a jornalista Gabriela Sobral – pessoa maravilhosa e uma das minhas melhores amigas –, decidi convidá-la para escrever um pouco do que ela me disse aqui no blog. Ela me fez pensar em um nível mais particular sobre a importância de políticas multiplicadoras, ou seja, que capacitam e empoderam as pessoas e permitem que essa capacitação e empoderamento possam ser repassados. Porque não dá para centralizar poder e dinheiro em uma mão só ou pensar apenas em ensino técnico a fim de se ter uma mão de obra mais qualificada. Precisamos transformar as pessoas em personagens principais das próprias vidas. Outro aspecto interessante que ela abordou é o fato de que temos sim que botar para fora as nossas ideias, debater. Conhecimento é uma coisa que a gente constrói coletivamente e, enquanto mulheres, somos treinadas a achar o que a gente pensa irrelevante. Não é.
Esse é um texto pessoal em um blog pessoal, então caso esperem uma análise política bem técnica, não vai ser aqui, nesse post. E embora eu tenha críticas ao governo atual, como todo mundo (/serracomedor, sdds eleições 2010), acredito que dentro das nossas escolhas atuais, o prosseguimento dele é ideal para a continuação da construção de uma sociedade mais justa. E vamos torcer para que os debates só cresçam e na próxima vez, o poder legislativo eleito no Brasil seja menos triste, conservador, religioso, militar, empresário, zuero, machista, homofóbico, etc.
Fiquem com o texto de Gabriela:
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As eleições chegaram e agora já, quase, passaram. Parafraseando Drummond, foram tempos de partidos, foram tempos de mulheres e homens partidos. Contudo, ninguém pode negar que o debate é mais que salutar (claro, aquela conversinha coerente e não o discurso de ódio como vemos na maioria das vezes). Debatendo, você não só afirma os preceitos democráticos, coloca-se na esfera de debate, vê-se como parte da sociedade civil, como também passa a refletir sobre coisas que você acredita, mas que ficavam silenciadas. Por isso, hablar é importante para que sua voz ganhe legitimidade, mesmo que seja ali naquele bolo com café ou no sanduba nojento com a amiga. Ninguém precisa estar na Globo. Acredite, é nos micro espaços que ocorrem as transformações.
Suas percepções políticas se constroem por motivações culturais e pelo conhecimento adquirido, nas instituições rígidas como a escola, universidades ou na convivência familiar, no vai e vem da rua mesmo. O importante é você usar suas experiências, colocando-se num todo, pois é na coletividade que se produz os grandes arranques sociais. Por isso, coloque o seu discurso na roda, nada de risinhos e acenos de sim com a cabeça. Fale! Só assim criamos novos espaços de discussão e legitimamos nossas causas.
Eu respeitei muito isso, nessas eleições, abstive-me algumas vezes, preguiça mesmo. Outras tive que respirar fundo e ir adiante. Não foi fácil ouvir referências à presidenta Dilma como “vagabunda”, “safada”, “cachorra”. Essa misoginia me deixava doente, triste de verdade. Pensava como uma mulher presa e torturada, em um dos períodos mais cruéis, pode ser chamada assim.
Por isso, decidi trazer as coisas nas quais acredito; a minha história de vida para o contexto no qual estou inserida, pois o debate, o lugar da fala é o lugar da construção simbólica, na qual temos que buscar nossa representatividade. Olhando sempre para o lado, analisando sempre o contexto social, pois é nele que se dá a vida. Claro que as criações artificiais são importantes e a questão econômica mais importante ainda. Contudo, acredito que as políticas sociais – isso quer dizer políticas que têm um caráter de alcance e transformação na vida social e não só em termos estruturais – equalizam outras tantas questões que fogem às análises tecnicistas.
Essa coisa de olhar pra fora, de se retroalimentar das experiências, como forma de perceber o que anda acontecendo, eu aprendi desde criança. Minha mãe sempre foi professora. Mas foi graças à expansão e revitalização do ensino universitário, iniciado no governo Lula, que ela pode fazer mestrado e depois prestar concurso para graduação em letras libras na Universidade Federal do Pará. Isso, é claro, melhorou nossa vida financeira, mas melhorou ainda mais a vida da minha mãe, a minha vontade de também me qualificar, a autonomia dela, que, hoje, chefia a faculdade de línguas modernas e estrangeiras da UFPA. Além disso, pude escolher onde estudar, vim morar em Brasília, hoje curso um mestrado profissional, no IPHAN, que também faz parte das novas políticas. Enfim, tive oportunidades imensas, não só porque minha mãe se beneficiou, mas porque houve um investimento no ensino público e porque eu estava imersa em um momento de produção de conhecimento, de auto estima, de mudanças, de um um presente bom e palpável e um futuro a vir .
As políticas públicas são feitas a partir do princípio das escolhas drásticas, no caso, reestruturar o ensino superior. Com isso, não é só a Liza que passa a ser uma funcionária pública e ganhar mais, são os filhos da Liza que passam a ter mais condições de investir em suas carreiras, o filho da Liza que passa a ver a mãe (mulher) como chefe de família, a filha que recupera a tranquilidade e passa a investir na sua vida, a Liza que pode ajudar o neto, a Liza e todos e todas que a cercam passam a viver um momento histórico/social de desenvolvimento pessoal e material. Não é uma história particular, é um momento histórico.
Acho que o discurso do “vamos cortar gastos”, “vamos enxugar a máquina pública”, “a máquina está inflada” é reducionista. O aumento de programas sociais, a criação de programas e políticas públicas requerem uma estrutura burocrática mínima. O Ministério da Justiça, por exemplo, que, antes, só cuidava das suas ações básicas passar a ramificar a sua atuação para alcançar a sociedade civil.
Não funcionando como uma estrutura hermética, mas uma estrutura que incorpora e chega às pessoas. Hoje, ampliou-se as ações da comissão de anistia, com isso criou-se o movimento da comissão da verdade, o ministério passa a ter uma política efetiva contra o tráfico humano. Enfim, para isso, sim, os ministérios vão inflar, crescer. As políticas econômicas tem que ser contempladas? Óbvio. Mas atentemos para esse discurso do corte. Pois, a longo prazo, as políticas sociais que transformam uma sociedade.
Tudo isso mostra que minha história pessoal influi no meu voto? Sim. E isso é bom, pois mostra o quanto eu sou preenchida pelas minhas experiências. Aquele que diz em afastamento ou isenção, parece-me vazio. Agora, isso não significa individualismo. Pelo contrário, foi pela minha vivência e, principalmente, pela trajetória da minha mãe que pude aprender a colocar a Gabriela na prática social e aprender a ver o todo.