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CINCO ANOS DE VULVA REVOLUÇÃO

Amo fazer aniversário, como já falei aqui antes. Contudo, em outras áreas da vida, tenho uma enorme dificuldade em celebrar coisas relacionadas à mim, sejam elas pequenas ou grandes. Tem vezes que é porque não faz sentido. Não me atrai viver nesse modo contemporâneo de hiperexposição em que cada passo dado tem que ser noticiado como se a cura de um câncer estivesse sendo descoberta. Sei lá.

Outras vezes tenho medo de parecer metida ou muito autocentrada. Dia desses li uma escritora que curto muito, a Thaís Campolina (e que conheci ao vivo hoje, finalmente), falando sobre essas coisas também: que acaba falando menos do que gostaria sobre as próprias realizações. Acho (tenho quase certeza, kkkk) de que isso é mais um dos braços da socialização feminina tentando nos manter mansas, quietas, modestas e no nosso devido lugar (um lugar de produtividade silenciosa, com pouco brilho e muita sobrecarga).

De qualquer maneira, acho importante dizer que, em 2019, o projeto Vulva Revolução completou cinco anos (e só agora consegui sentar para escrever sobre, é a vida). Uau… Passa muito rápido! Hoje em dia chamo de projeto, e não apenas de blog, pois muitas coisas aconteceram a partir desta plataforma online aqui. E vou contar um pouco sobre isso tudo pra vocês. Considero importante que gente comum, como eu, perceba que pode realizar coisas ótimas sem precisar de patrocínio. Que nem tudo na vida é like, métrica, #publipost ou programa de televisão.

Existem muitas pessoas por aí que estão, de fato, buscando estabelecer redes de informação, conhecimento, diálogo e troca de experiências de uma forma mais ampla e horizontal. Ninguém merece simplesmente girar ao redor de uma imagem específica de alguém que abraça o mundo e fala de tudo sem realmente falar de nada só para impulsionar a própria fama. A coletividade é possível. Ou, ao menos, tentamos fazer ser (e nada é mais deprimente do que a cultura de celebridade que está cada vez mais ampliada e permeia tantas esferas sociais atuais).

Me interesso por feminismo tem muito tempo, mais de quinze anos. Ouvia falar do movimento aqui e ali e, de repente, estava escutando bandas punks feministas, indo a shows, colecionando zines. Fui crescendo e descobrindo que existia toda uma área de estudos voltada para o tema, parti para os livros e comecei a ler mais e mais. O blog nasceu em 2014, por conta da minha vontade de sistematizar ideias, compartilhar leituras, realizar traduções, organizar materiais e escoar, em algum lugar, angústias e pensamentos.

No primeiro ano da plataforma online, em 2015, fiz um evento de comemoração que deu muito trabalho, mas foi incrível: o VULVA LA REVOLUCIÓN. Contei com o apoio de muita gente, e aqui falo um pouco sobre todo o processo. Teve feira com artes e produtos feitos por mulheres, rodas de conversa, música, comidinhas, bebidinhas, essas coisas. Fiz também um evento para celebrar os três anos do blog, em 2017, em conjunto com um ateliê de arte chamado Gruta, que estava sendo inaugurado (infelizmente ele já fechou as portas, mas as integrantes seguem firmes & fortes no rolê). Foi nos mesmos moldes do primeiro e, mais uma vez, foi bem legal.

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Boloceta feito pela minha amiga Luiza Ramos para comemorar os três anos de Vulva Revolução ❤

Junto com algumas das mulheres da Gruta (mais especificamente: Tais Koshino, Livia Viganó, Camila Ligabue e Gabi Lovelove6), com a Bia Cardoso, das Blogueiras Feministas, e com as minhas amigas Ludmilla Brandão e Talita Ramos, fizemos o Gruta de Estudos Feministas. Nos encontrávamos mensalmente para discutir temas e textos previamente selecionados e, por um ano, fizemos encontros e debates com lanchinhos, poesia, conversa e troca de ideias. Em algumas ocasiões, alguns encontros eram abertos para o público e envolviam discussões que estavam acontecendo no momento, como na época em que a questão do aborto estava sendo discutida no Superior Tribunal Federal (STF).

Tudo isso rolou em Brasília (DF), minha cidade natal.

Um outro evento que nasceu a partir do blog foi o MULHERAJE, que idealizei & realizei em 2018 e 2019 com a minha querida amiga Amanda Dias, em São Paulo (SP), em um espaço chamado A LAJE. A nossa proposta era evidenciar mulheres-que-fazem por meio de uma feira com artesanato, livros, zines, pôsteres, cerâmica, quadrinhos e tudo mais. Sempre rolam shows, bebidinhas e afins também. Na primeira edição, por exemplo, conheci o ótimo trabalho da BEX, compositora, beatmaker e produtora musical que mescla jazz e ritmos eletrônicos, e colou no dia para uma apresentação.

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MULHERAJE 2018 (montagem feita pela Amanda)

A partir da Vulva Revolução, comecei também a fazer publicações impressas. Zines mesmo. Misturei paixões adolescentes com práticas da vida adulta e passei a sistematizar ideias e leituras também nesse tipo de material. Cheguei até a me arriscar artisticamente e criar zines costurados à mão, com textos mais literários, fiz colagens, aprendi um pouquinho de diagramação etc. O primeiro deles, o Vulva Revolução #1, surgiu a partir de um pequeno financiamento coletivo de sucesso apoiado por quem curte o blog e contou com várias colaborações de artistas do Brasil todo. Teve até festa em parceria com uma produtora de Brasília, a Moranga, para ajudar na divulgação e arrecadação de grana. Foi muito divertido. A galera da produção fez uma decoração especial e chamou só mina pra discotecar (e todas muito fodas), como a Carol Stérica, do Sapabonde, e a Mari Perrelli, que anda bombando Brasil afora.

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Eu e as criadoras do Conspiração Libertina, uma marca de acessórios feministas (que teve sua estreia em um dos meus eventos), na Moranga Vulva Revolução, 2016

Depois, fiz também os zines Vulva Conexão, que discute tecnologia, internet e feminismo; Solidão Involuntária, que traz um texto melancólico repleto de crises existenciais; Lucrativa, com colagens que criticam a indústria da beleza e Feminismo Suave Não Liberta, Mas Gera Lucro, uma adaptação deste texto aqui. O Goji Berry, zine mais recente, lançado ano passado, aborda aspectos críticos diversos sobre algo que, usualmente, nos parece muito corriqueiro: alimentação. A publicação foi idealizada por mim e conta com valiosas colaborações de autoras como a já citada Thaís Campolina, além de Laura de Araújo, Amanda Valmori (parceira, amiga querida e que admiro demais como escritora, autora do extinto e maravilhoso blog Deixa de Banca) e Glênis Cardoso (que faz parte do incrível projeto Verberenas). O projeto gráfico, belíssimo, é do multitalentoso Estêvão Vieira, ou Stêvz, que é designer, compositor e cartunista, com fotos de Ana Cortez.

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Por conta dos zines, comecei a participar de feiras de publicação independente por todo o Brasil. Isso é um ótimo jeito de ter um contato mais próximo com outras pessoas que também estão no corre de fazer os próprios projetos acontecerem e é uma maneira muito legal de estar em contato com o público, trocar ideias, estreitar laços. Recebi convites variados e fui para escolas conversar com alunos e alunas sobre temas sensíveis, como gênero e violência contra a mulher; mediei rodas de conversa; participei de debates em cineclubes; realizei oficinas em universidades e fiz curadoria de eventos voltados para “empoderamento feminino” (ainda que eu tenha questionamentos sobre o uso indiscriminado dessa expressão, mas isso é papo pra depois e, de qualquer modo, mulheres reunidas em prol  de assuntos importantes é sempre válido).

Em 2016, conheci o Pará por meio do projeto Imaginárias, da minha grande amiga Gabriela Sobral, uma jornalista e poeta incrível e que, desde os tempos da faculdade, está ao meu lado e no meu coração. Foi uma experiência enriquecedora, tocante, um aprendizado forte. O projeto reuniu pessoas de áreas diversas para realizar oficinas com jovens de Soure, pequeno município da Ilha do Marajó. Teve fotografia, escrita, pintura, colagem, desenho e, no fim de tudo, ajudei a garotada a selecionar e editar o próprio material para consolidar uma publicação impressa. Tudo de modo bem horizontal, explorando a paisagem local e levando em consideração as vontades e os conhecimentos de quem estava participando dos encontros. Aproveitei ainda para visitar Belém (me apaixonei) e participar de eventos por lá.

Mantendo a sanidade 

No meio de todos esses acontecimentos,  trabalhei em muitos lugares, com muita coisa (pra quem não sabe, sou jornalista). A Vulva me manteve ativa em uma época em que eu estava em um emprego horrível, que defendia coisas que não acredito e me mantinha enfurnada em um porão em que ninguém me valorizava (mas, pelo menos, eu tinha a adorável companhia de uma colega de trabalho maravilhosa). Eu precisava do dinheiro e da experiência, não aguentava mais freelas precarizados, então foi muito importante estar lá. Paralelamente, estava sempre escrevendo e planejando atividades que me relembravam quem eu realmente era.

Com o tempo, consegui me inserir mais e mais dentro de áreas que têm mais a ver comigo: assessorei projetos, artistas, escrevi para veículos diversos, essas coisas. Hoje, colaboro com uma revista que gosto muito e escrevo sobre cultura. Me especializei em gênero, sexualidade e direitos humanos na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e, desde o ano passado, estou lá como mestranda da área de comunicação e saúde. Em breve lanço meu primeiro livro de contos (eita), que não possui relação direta com o blog, mas tem a ver com o meu processo de me autorizar a escrever, falar, ser. Queria estar mais feliz, mas confesso que meu estômago borbulha de medo e ansiedade o tempo inteiro.

O que aprendi com isso tudo?

Que precisamos tirar ideias da cabeça. Várias vão dar errado, mas muitas vão dar certo também. Falhe mais, falhe melhor, não tenha medo de falhar. Aprendi que articulações sem fama e sem grana exigem muita transparência e diálogo (deveria ser sempre assim, na verdade). É preciso apoiar quem te apoia e buscar meios de oferecer outras recompensas, como espaço em um evento, escambo de serviços. Sei lá. Mas, de verdade, transparência é muito importante mesmo. Tem que chegar na pessoa e falar: “Eu preciso disso e daquilo, você tem interesse em me ajudar? Posso fazer algo por você depois também”, sabe? E não ficar fingindo que a ajuda que você precisa é, na verdade, um favor pra outra pessoa (tipo: “Nossa, isso vai te trazer visibilidade!” – muitos risos). Já fui parar em uma entrevista de emprego que era, na verdade, um trabalho voluntário oferecido com ares de salvação mundial por alguém querendo abrir um site megalomaníaco sem ter um real pra isso. Isso não se faz.

O rolê #DIY exige uma ética que envolve respeito e comunicação. Mas nem sempre as coisas acontecem do jeito que a gente espera. Por isso que é muito importante também saber ouvir não, entender o tempo do outro e aceitar que afinidades temáticas e políticas não necessariamente vão resultar em amizades eternas ou personalidades compatíveis. E tudo bem. Coisas ótimas podem ser feitas mesmo assim.

A Vulva é totalmente independente, não gera lucro. Tudo o que já ganhei até hoje com vendas de materiais como zines ou camisetas, por exemplo, foi usado no próprio projeto (para pagar a confecção de materiais, domínio de blog e afins, por exemplo). Emprestei meus conhecimentos e minha força de trabalho pra muita gente. E muita gente fez o mesmo por mim. Pode parecer clichê, mas é real: no que deu certo ou no que deu errado, ficou sempre um grande aprendizado – e para acertar ou para errar, tem que botar a mão na massa, né? Quem vê close, não vê corre.

CADA PESSOA É ÚNICA E TUDO É IMPORTANTE

Falo das minhas experiências sem esperar que elas sejam reproduzidas por alguém, pois o que passei tem a ver com a minha trajetória, com os meus interesses, com o que sei fazer. O que quero, na verdade, é inspirar as pessoas a encontrarem algo que as toca para que, a partir daí, coloquem esse algo em prática de um modo que crie articulações e laços. Tenho amigas que gostam de ir para o mato estudar plantas, e isso é importante. Tenho amigas que usam o conhecimento que possuem em exatas para dar aulas de matemática para meninas, e isso é importante. Tenho amigas que cortam cabelo, pintam, dançam, tocam instrumentos, trabalham em escritórios de advocacia, lojas de shopping e realizam feitos diversos do jeito que podem e conseguem. E tudo isso é importante. O que você sabe fazer? O que você gosta de fazer? O que você gostaria de aprender?

ESCREVERESCREVERESCREVER

Este ano, a Vulva vai ficar mais quieta. Entre mil coisas, tenho uma dissertação pra concluir. Ando, também, cansada das dinâmicas atuais das redes sociais como um todo. Já falei sobre aqui, brevemente, mas tenho muito mais a desenvolver sobre o assunto, na verdade. Dia desses rascunhei umas ideias sobre o tema e qualquer hora escrevo sobre com calma. Quem sabe.

Escrever com calma, aliás, sempre foi a proposta desse blog, que é tocado no meu tempo livre, sem nenhuma obrigação comercial ou algo do tipo. Gosto de ler bastante sobre um assunto, pesquisar, conversar com outras pessoas… Só que estudar um tema envolve mergulhar em livros, filmes, artigos, histórias de vida e muito mais. Por isso, me angustia bastante quem trata a escrita como mera “produção de conteúdo” e cospe um monte de porcaria com muita polêmica e pouca profundidade. De qualquer maneira, fico feliz por, ao longo desses anos, ter postado pouco, mas com intensidade. Muitos textos viajaram – e ainda viajam – bastante e minha meta de trocar ideias e estimular debates com certeza foi alcançada.

Já fui lida por pessoas de todo o país, já fui repostada por páginas da Índia, já vi texto meu sendo utilizado em evento de arte em Portugal, já fui citada em artigos acadêmicos, já soube de psicólogas e professoras que recomendaram algo que escrevi para pacientes ou alunos… A lista é imensa. Tudo isso me ajuda ver que alimentar um projeto pessoal não é tempo perdido. Foram muitas as pessoas que, ao longo desses anos, compartilharam coisas íntimas comigo, dúvidas, medos, vontades, inspirações, e considero um privilégio poder acessar um pouco do universo interior de tanta gente a partir da partilha de meus próprios pensamentos.

O que eu queria mesmo, no entanto, era um dia pegar parte do material que produzi durante esses cinco anos, juntar com umas coisas inéditas e lançar um livro, para que esse período fique registrado de um modo mais organizado – e para que as coisas não se percam se, um dia, eu desistir de manter esse espaço virtual (eventualmente pode acontecer, tanto pela falta de tempo, quanto pela minha vontade de me dedicar a outros interesses). ALÔ, EDITORAS! TENHO VÁRIOS LEITORES & LEITORAS! FALEM COMIGO EM VULVALAREVOLUCION@GMAIL.COM, OK? BEIJOS.

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Nem tudo são flores

Porém, ser “publicamente” feminista tem hora que é muito chato, pois tem gente que usa isso como desculpa pra praticar um vigilantismo controlador e competitivo bastante nocivo. Fora quando te cobram que você fale disso, faça aquilo… Me dá vontade de gritar “SOU SÓ UMA PESSOA QUE TOCA UM PROJETO INDEPENDENTE NAS HORAS LIVRES, NÃO SOU UMA ONG E MUITO MENOS UMA EMPRESA”, sério. As pessoas precisam parar de jogar a responsabilidade da ação para o outro ao invés de se tornarem indivíduos mais politicamente proativos. E reclamar de quem está tentando fazer algo é sempre cômodo pra quem quer fingir que faz algo também e, na verdade, não está fazendo nada (isso não significa que críticas não sejam válidas, mas tem gente que só quer miar o rolê alheio, e não construir junto).

Cinco anos não são cinco dias

De qualquer modo, não tem como não celebrar tudo o que aconteceu, todos os textos, leituras, encontros, eventos, parcerias, colaborações. Com certeza deixei um monte de coisa de fora, mas acho que consegui trazer um panorama geral dos principais acontecimentos relacionados à Vulva. Uma rede incrível foi mobilizada diversas vezes e ideais com propósitos feministas, buscando descentralização de poderes e novas formas de se observar a realidade, foram divulgados.

Uma vez, dentro da minha atuação como jornalista, entrevistei uma quadrinista feminista que gosto bastante, e ela falou da importância de contarmos as nossas próprias histórias, para que não sejam apagadas ou jogadas à margem – que é o que acontece muito com mulheres e minorias em geral. E é, de fato, um exercício um tanto quanto difícil esse de se enxergar com o devido respeito e seriedade. Estamos sempre acostumadas a nos diminuir ou a tratar os nossos feitos como irrelevantes.

No grande carrossel da existência, o que acaba sendo visto como importante nos dias de hoje envolve títulos, sobrenomes, verbas altíssimas, celebrização de indivíduos e uma constante recriação do mito do self-made man em uma versão customizada para todos os gostos, inclusive progressistas. E, na verdade, por trás de toda “grande pessoa” existem sempre várias pessoas do mesmo tamanho. Ninguém faz nada sozinho, mas todo mundo pode fazer alguma coisa. E essa alguma coisa é essencial para que nós, pessoas comuns, possamos nos sentir mais vivas e menos impotentes. Que a gente siga em frente, juntos e juntas, tateando o desconhecido em busca de laços mais firmes e propostas de um mundo melhor.

[E APROVEITEM PARA FAZER PARTE DA MINHA CAMPANHA “DÊ UNFOLLOW EM INFLUENCERS & GRANDES EMPRESAS E APOIE PROJETOS INDEPENDENTES“]

Obrigada a cada pessoa que fez parte disso tudo, de alguma maneira.

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Pensamentos soltos de uma mulher cansada

Ontem estava chovendo e mais uma vez passei em frente a um muro com um lambe que trazia a imagem de Marielle Franco, um pôster grande que estampava também a fatídica pergunta que tanto se faz por aí em busca de respostas concretas e oficiais do que todo mundo já desconfia e possui indícios aqui e ali: quem a matou? Lembrei do dia em que tudo aconteceu, a tempestade que acompanhava as tristes notícias, a sensação horripilante de que as coisas no país não eram as melhores e podiam ainda piorar.

Claro que, infelizmente, outras figuras políticas e lideranças importantes já foram assassinadas em outras ocasiões. Mas essa morte foi muito marcante e explícita, aconteceu no centro do Rio de Janeiro e em um momento em que minorias com pautas e identidades semelhantes às de Marielle estavam – e estão – em evidência. O crime simboliza também o que viria depois, a ascensão miliciana em um país dominado pelo que tenho chamado de Jesuscracia Neoliberal. Que tempos.

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Disputa de discursos e Marielle

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Eu já andava desanimada com o blog e comecei a escrever cada vez menos por aqui desde então. Tudo me parecia pequeno, bobo, raso. Como falar sobre sexo ou música em um mundo em pleno desmoronamento? Perder a fé na humanidade é uma frase que muita gente bem intencionada utiliza com uma certa constância enquanto passeia pelas notícias trágicas que diariamente povoam as redes sociais virtuais. Contudo, o que sinto não é nem uma perda de sentimentos, mas uma desesperança que é sedimentada a partir da constatação de que disputas violentas de espaço, poder e discurso estão postas e se desdobram de modo difuso e altamente complexo a cada segundo – e já era assim bem antes de sequer existirmos nesse planeta.

Mas chega de ter esperança, como diria o Comitê Invisível, né? Eles alegam no livro Motim e destituição do agora que a esperança acaba por ser uma ferramenta que nos mantém passivamente acreditando em uma solução abstrata que virá do futuro enquanto, na verdade, deveríamos estar construindo algo agora. Agora, aliás, é uma palavra que carrego no corpo, em forma de tatuagem e com a letra de fôrma de um amigo querido, como uma espécie de âncora para uma mente que está sempre se alternando entre o que já foi ou o que ainda pode ser. A ansiedade torna o agora um lugar muito difícil de se estar e ela é também o que fundamenta essa nossa era recheada de imagens, informações, palavras de ordem, capitalismo exacerbado, modelos de aparência e de comportamento, dissolução de valores e repaginação de preconceitos – tudo isso junto e misturado em um grande remix.

A questão é: perder a fé na humanidade me parece, na real, algo até bem otimista considerando que, historicamente, são muitos os fatos que evidenciam motivos para que ela não devesse sequer existir.

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Venho recebendo a newsletter da jornalista Sofia Perpétua, uma mulher incrível que conheci recentemente em um evento de literatura, e me acalenta o coração ler textos tão bem escritos que trazem o que ela vê, o que ela pensa, o que ela gosta, onde ela foi, tudo de modo tão bonito e bem amarrado com belas fotografias. Existem outras newsletters muito interessantes por aí (como as das maravilhosas Stephanie Borges, Aline Valek ou Carla, do Outra Cozinha) e isso tem me feito olhar com ainda mais amor pra esse lance de sistematizar e compartilhar ideias por meio da escrita de um modo mais afetivo.

Para mudar um pouco de ares, me inspirei a voltar aqui hoje e escrever de um jeito mais livre, leve e solto. Sem revisar o texto mil vezes ou demorar uma semana para colocá-lo no ar. Sem a obrigação de destrinchar um tema específico com alguma profundidade. Quero apenas falar sobre aflições e vontades. Mas trazendo sempre a tal da perspectiva feminista, em algum momento, porque é pra isso que este blog existe. Escrevo o tempo todo, profissionalmente e academicamente, mas nem sempre do jeito que eu gostaria. Aqui rola de fazer uns experimentos, né?

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Porém, tenho experimentado também o lado ruim de colocar as próprias ideias online. Existe um forte movimento de apropriação e cooptação do que pequenos grupos estão fazendo. Isso acontece em prol de algum tipo de lucro pessoal que, por vezes, é econômico também. Ou social. Vários tipos de capitais em questão, esses lances. As coisas mudaram e o ambiente virtual, que já foi o esconderijo aconchegante de muita gente, virou uma grande vitrine.

Sinceramente não aguento mais a figura do digital influencer que cospe um monte de besteira genérica em um ritmo frenético e ainda por cima utiliza pautas sociais de modo distorcido e dissolvido apenas para impulsionar a própria imagem. Não aguento mais grifes falsamente inclusivas e cheias de frases prontas. Não aguento mais gente achando que pesquisar conteúdo significa roubar ideias e formatos alheios. Não aguento mais a sensação de que a conversa no ambiente virtual está parecendo mais produção gratuita de conteúdo para empresas (inclusive para as próprias mídias sociais) e pessoas aproveitadoras.

Pesquisa envolve enfiar a cara em livros, revistas e sites, visitas a lugares, passeios pelas ruas, viagens, conversas com pessoas e afins para, a partir daí, construir a própria trajetória – uma trajetória que dê o devido crédito a quem fez parte dela. Então isso acaba sendo outro fator que me deixa desanimada. Fico muito feliz com o reconhecimento que vez ou outra recebo, com o diálogo que estabeleço com pessoas ótimas, mas ver gente ganhando edital, fazendo matérias ou vídeos no YouTube a partir de coisas que pensei, criei, produzi (e sem autorização) me deixa triste. Dinheiro e crédito são coisas importantes nesse mundo. Mas isso não é nenhuma novidade e acontece em movimentos sociais, culturais, artísticos e etc o tempo todo, como uma dança espelhada e esquisita.

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Esse negócio de apropriação me faz pensar também na memória de Marielle Franco, que foi quem abriu este texto. É importante que ela esteja sempre em pauta, mas de modo respeitoso e humano e não como nome de hambúrguer vegano de trinta reais ou de coleção de lingerie. Não de modo superficial e preguiçoso, com uma representação que traga a mera imagem dela repleta de buracos de bala em uma roupa de marca. Tudo isso aconteceu – e é pavoroso. É pavoroso não estar sendo feita metade da reflexão que é necessária em um país que tem suas bases construídas em cima do racismo e da misoginia. No capitalismo tudo é um produto, realmente.

O Dia das Mães passou e, mais uma vez, discutiu-se no âmbito virtual sobre ser mãe de pet (e agora teve até mãe de planta???) ou maternidade compulsória (tema importante, não nego). Quem lembra das mães que possuem a maternidade interditada pelo genocídio de seus filhos negros, por exemplo, para além das próprias militantes do feminismo/movimento negro? Uma amiga minha estudou essa questão e não vejo a hora de essa dissertação estar logo disponível de alguma maneira, para que todos possam ver. E ela cita Marielle, academicamente, resgatando também o legado teórico de uma pessoa que lutou em variadas frentes. Um salve para toda a mulherada que está no corre pensando no coletivo – sejam faxineiras, cozinheiras, pesquisadoras, escritoras, doulas, arquitetas e afins. Não é fácil, mas sempre tem alguém por alguém em algum lugar. E nessas horas até cogito ter a tal da fé.

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Falando em coletividade, recentemente conheci de perto muitas pessoas que admiro e outras que passei a admirar. Me sinto energizada por essa rede de troca que me traz, cotidianamente, tantos novos conhecimentos. Minha amiga de tantas aventuras, a querida Gabriela Sobral, idealizou uma feira de publicação independente intitulada Bancada, que aconteceu no Rio de Janeiro dia desses, e fiz parte da organização e curadoria. Pudemos reunir muitas dessas pessoas inspiradoras em um lugar só. Foi muito legal.

Além das minhas obrigações mais oficiais envolvendo estudo e atuação como jornalista, tenho trabalhado com feiras de publicação independentes, principalmente na parte de assessoria de comunicação. Vez ou outra organizo meus próprios eventos ou dou pitaco nos eventos dos outros. Acho esses rolês muitos potentes, horizontais e importantes: o compartilhamento de experiências é imediato e o público pode se perceber como parte fundamental na construção de um cenário em que grandes empresas e shoppings não precisem sempre ser intermediários entre seres humanos e artefatos culturais. Além disso, gosto de conversas cara a cara, de encontros presenciais. São importantes. São necessários.

Bancadarua

Bancada ❤

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Um sonho: pequenos produtores (de alimentos, livros, roupas e afins) em grande escala e não grandes escalas de coisas sendo produzidas por poucas empresas. Pessoas com tempo para cozinhar, ouvir música, dançar e compartilhar experiências sem esse peso do medo e da insegurança preenchendo corpos, mentes e existências com afetos de tristeza e terror – um quadrinista que sou fã me aconselhou ler Espinosa após me ver surtada no período das eleições, mas ainda sou nova no assunto. A crise é um projeto político, sabemos, e me sinto em uma música da Legião Urbana, com meus amigos procurando emprego, todo mundo sem dinheiro e a sensação de que estamos voltando a viver como anos atrás.

Mas, repito, sei que as coisas não estavam perfeitas. Muito pelo contrário.

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O agora escorre entre meus dedos e tento agarrá-lo. A cada passo que dou, me sinto entrincheirada entre passado e futuro (alô, Boaventura!), quase como em uma espécie de paralisia que nubla meus sentidos e me enche de dúvidas. Mas a dúvida é o combustível de toda caminhada, e a incerteza é a única certeza que podemos ter, não é? Por isso esse post com tantas perguntas, poucas conclusões e muitos acontecimentos soltos.

Respiro fundo e tento me localizar no agora, o agora de agora que não é mais o agora que escrevi a alguns minutos atrás. Que bom é estar aqui nesse instante silencioso em que nada mais existe e tudo importa. De qualquer maneira, ainda assim, me sinto exposta, mesmo estando dentro do meu próprio espaço, apenas porque escrevi de um jeito que nunca escrevi antes por aqui, seguindo a ordem desconexa dos meus próprios pensamentos. Respiro fundo de novo. É estranho viver no caos, mas já não deveríamos estar acostumados?

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Um beijo, um abraço e fiquem bem. <333

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Sobre o processo de se transformar em uma publicação impressa

Queria ter escrito este post aqui há mais tempo, porém, ando vivendo uma deliciosa bagunça nômade que me faz morar oficialmente em uma cidade e estudar em outra. Tenho me dividido entre milhares de coisas pra fazer e preocupações excessivas (oi, ansiedade). Além disso, quase assassinei o meu computador pela segunda vez, derramando água de coco nele (a primeira foi quando tive a brilhante ideia de limpar o teclado com lenços umedecidos). Andei também viajando para lugares fora da minha rota, uma das viagens como parte de um lindo projeto educativo e a outra de férias mesmo. E etc, etc e etc. Conto tudo isso apenas para justificar meu sumiço, pois com certeza o que listo aqui não me traz muitos motivos para reclamar (tirando a ansiedade e o computador molhado).

Agora que finalmente parei para sacudir a poeira do blog (estava com saudade), trago boas notícias: realizei um financiamento coletivo entre abril e maio deste ano com o intuito de arrecadar dinheiro para imprimir uma publicação independente. Felizmente, deu tudo certo e, por isso, o conteúdo da Vulva Revolução passou a ser algo que existe também no papel – é um zine! Como sou fruto dos rolês alternativos e do do-it-yourself, essa foi a linguagem que conheço e decidi utilizar para reunir parte do material escrito por aqui até hoje. E essa foi a maneira que escolhi para dizer que sou uma autora capaz de escrever em diversas plataformas. E, não vou mentir, é mais barato e fácil de produzir do que um livro, heh (que é algo que também está nos meus planos). Mas não quero, com esse comentário, criar nenhuma hierarquia, cada coisa tem sua estética, seu espaço, sua importância e sua razão de ser.

A ideia de fazer uma publicação a partir de textos aqui do blog era alimentada desde o ano passado. Sempre gostei muito de livros, revistas, zines, folhetos e afins. Ouvir o barulho de páginas virando, analisar formatos e o tipo de papel, bem como a beleza ou estranheza das imagens é muito agradável, não é mesmo? A experiência impressa é um romance em si mesma. E, além do mais, o que está no papel me parece ter um tipo de circulação diferente do material online – agora participo de mais eventos, faço vendas & trocas, conheço várias pessoas ao vivo e estou chegando em novos lugares.

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Vários zines, oba!

Claro que a internet tem o seu posto essencial de principal divulgadora das minhas ideias – e é o meu habitat. E ela e o papel são meios diferentes, mas que não se anulam. No entanto, o que está impresso ainda me parece, de alguma forma, mais respeitado como “conteúdo de verdade”. É o que te chancela como alguém que realmente produz – principalmente quando o seu principal veículo é um blog totalmente independente. Isso tudo pode até estar mudando, estamos começando a criar o hábito de ler em outros meios (eu mesma já sou adepta do Kindle faz muitos anos), mas minha experiência me mostra um interesse diferente por parte do público em geral quando você começa a organizar o seu próprio material no papel – mas não sei se um e-book ou algo assim causaria o mesmo tipo de reação. São muitas possibilidades, temos muito a pensar.

Planejei tudo sozinha, mas contei com o apoio de várias pessoas durante o processo de nascimento do zine (que teve um protótipo com uma tiragem de 20 unidades realizada no ano passado). Um amigo fez o vídeo para o site do crowdfunding, por exemplo, e mulheres com as quais possuo diferentes graus de proximidade (mas admiro o trabalho de todas) colaboraram com as ilustrações presentes na publicação (e com um dos textos exclusivos), tornando-a coletiva e plural. Aprendi ainda mais sobre as diferentes etapas intelectuais e burocráticas de se produzir algo no papel, o que não é novidade pra mim, por conta da minha profissão e de produções anteriores, mas que foi mais intenso por ser um projeto pessoal cuja existência se deu, inicialmente, por conta do meu próprio interesse. Foi um exercício de aprender a dizer internamente, e para os outros: “o que eu faço importa” e “se eu quero fazer, importa”. Os feedbacks que recebo ajudaram, pois são várias as mulheres que afirmam se sentir contempladas com meus questionamentos (que bom, pois essa é a intenção). E elaborei uma linha narrativa que orientasse o material de modo coerente, editei os textos do blog para o formato impresso, diagramei o zine, fiz orçamentos e pedidos das recompensas prometidas no financiamento coletivo (camisetas, bottons e adesivos), entre outras coisas.

Não vou mentir, fiquei bastante orgulhosa de mim mesma, ainda que uma ou outra pessoa pessimista tenha cruzado o meu caminho com frases como “é só um zine” ou “é só um blog”. Sempre vai aparecer alguém projetando as próprias frustrações no que a gente está fazendo, colocando o foco em pequenos detalhes e não no todo. Deu trabalho e atrasei algumas entregas, pois precisei de mais tempo do que esperava para terminar algumas coisas, mas valeu muito a pena.

No meio disso tudo, fiz um curso de Produção Gráfica com a Aline Valli, que era da Cosac Naify, e foi bom para aprender mais sobre aspectos práticos e estéticos de uma publicação impressa. Mesmo que o meu interesse principal seja a escrita, achei legal ter mais noção de todos os processos que envolvem a realização de um livro – ou de qualquer outro material do tipo. E uma das aulas foi justo no último dia de existência da Cosac, o que deixou a professora bem emocionada. Não fiz o curso por causa do zine, mas pelo interesse geral na área mesmo – tenho um crush no meio editorial como um todo. Só que acabou sendo útil, lógico. Conhecimento nunca é demais.

Acompanhar um financiamento coletivo é bastante agoniante – ainda mais quando você é uma pessoa ansiosa. Isso que o meu nem era assim tão difícil de alcançar, imagina os que contam com uma grana alta? Meu coração não aguentaria. É importante assistir os vídeos e recomendações desses sites de crowndfunding – graças a eles, consegui tirar várias dúvidas e fazer prospecções de metas – e conversar com outras pessoas que já passaram pelo processo (isso me ajudou a aprender bastante com erros e acertos de colegas). Uma divulgação constante é essencial, bem como uma boa comunicação com veículos grandes que se comuniquem com o seu público-alvo. Contei com a ajuda de alguns blogs, sites e páginas, e até mesmo parceria com festa famosinha de Brasília eu fiz, o que não gerou o retorno financeiro esperado, mas foi uma noite muito divertida e que também ajudou na divulgação.

O zine foi lançado oficialmente em Brasília, Rio de Janeiro e Belém e a tiragem inicial foi de 500 unidades. Alguns foram doados para mulheres que realizam projetos que se relacionam com feminismo, educação e afins (tive notícias de alguns sendo utilizados em oficinas de educação e gênero para jovens e adultos, e me emocionei). Paralelamente a isso, várias outras coisas foram e estão sendo feitas, algumas delas pretendo contar por aqui assim que tiver tempo (e ânimo) de novo. São muitas novidades, pensamentos, ideias, mas também muito cansaço e falta de energia, em alguns momentos. De vez em quando, essa era atual faz a gente se sentir sempre a correr sem saber muito bem para onde ir, não é? Tipo, me pego fazendo um monte de coisa e achando que não estou fazendo nada pois esse monte de coisa ainda não é necessariamente aquela idealização da minha cabeça de coisas que imagino que “deveria” estar fazendo. Confuso, eu sei.

Por isso, parei aqui para respirar e relatar esse processo. Meu intuito foi, de certa forma, prestar contas a todo mundo que me apoiou, além de incentivar outras mulheres a tocarem seus projetos e a encararem o que fazem como algo importante – não importa se a sua vibe é escrita, desenho, crochê, pintura, matemática, gastronomia ou games. Nem se é algo para um público grande ou pequeno – até porque isso varia com o tempo. O que importa é a gente existir e falar sobre a nossa realidade, desenvolver competências artísticas, criativas, intelectuais, ganhar experiências e estreitar laços umas com as outras. Gosto muito de assistir ou ler sobre processos alheios – de pequenos quadrinistas independentes a fotógrafos com fama mundial, sei lá  – e essa foi a minha contribuição para quem tem o mesmo tipo de interesse. Como escrevi em muitos dos bilhetinhos que enviei para vários lugares do Brasil, junto com os zines e as recompensas adquiridas: juntas somos mais!

Tem Vulva Revolução no FacebookTwitter e Instagram também, viu?

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Pessoas brancas criticando “Feminismo Branco” perpetuam privilégio branco

O texto a seguir foi escrito em 2015 por Claire Heuchan, autora do blog Sister Outrider. Feminista radical, negra, lésbica e escocesa, ela é também mestranda em literatura com ênfase em estudos de gênero, e sua pesquisa se foca em Teoria Feminista Negra, ativismo e escrita. Se você lê em inglês, vale a pena procurar outros textos dela por aí. A tradução foi feita por mim e pela Carol Correia, que tem feito um ótimo trabalho em traduzir materiais do inglês para o português com o intuito de disseminar mais informações sobre feminismo em nossa língua. 

Gostei do texto por ser curto e direto. E é um convite à reflexão para as feministas brancas. Lutar contra o racismo é um papel de todas nós, mas é preciso uma postura ativa, que promova mudanças reais e eficazes. Não adianta só repetir palavras vazias e discursos simplistas. O racismo é um sistema complexo que embasa a nossa sociedade e precisamos entendê-lo para exterminá-lo. E é um assunto que deve ser tratado com seriedade, e não como um mero atalho para impulsionar a própria imagem de forma positiva. Boa leitura!

Se você se envolve em discussões feministas online, as chances são que você já tenha notado uma expressão particular se tornando cada vez mais comum: Feminismo Branco. Algumas vezes até mesmo um símbolo de marca registrada é adicionado, para dar ênfase. O termo Feminismo Branco tornou-se uma abreviação para certas falhas dentro do movimento feminista;  das mulheres com um determinado grau de privilégio falhando em escutar as irmãs mais marginalizadas; das mulheres com um determinado grau de privilégio falando por cima dessas irmãs; das mulheres com um determinado grau de privilégio centralizando o movimento ao redor de problemas que abrangem apenas a gama das próprias experiências delas. Originalmente, o termo Feminismo Branco era utilizado por mulheres não-brancas para abordar o racismo dentro do movimento feminista – uma crítica válida e necessária.

Ainda que mulheres brancas estejam em desvantagem pessoal e política por conta da ordem social vigente construída em cima de misoginia, elas também se beneficiam com o racismo institucional – queiram elas ou não.  Mesmo mulheres brancas com firmes políticas contra o racismo não podem excluir que se beneficiam do privilégio branco; que mulheres brancas recebem mais (embora deficiente) visibilidade da mídia do que suas irmãs negras e de minorias étnicas; que existe uma diferença salarial extensa em relação às mulheres não-brancas e que existe um aumento significativo do risco de violência policial que molda a realidade vivida por mulheres negras. É assim que o privilégio branco funciona. Nós vivemos em uma cultura impregnada de racismo, com uma grande quantidade de riqueza do nosso país decorrente do tráfico de escravos. Bem como a misoginia, leva-se muito tempo e reflexões conscientes para desaprender o racismo. É um processo de aprendizagem no qual nunca nos graduamos totalmente. Mulheres não-brancas desafiando o racismo de dentro do movimento feminista nos dá a oportunidade de conscientemente nos desligarmos de comportamentos recompensados pela supremacia branca do patriarcado.

No entanto, a expressão Feminismo Branco não está mais sendo usada exclusivamente por mulheres não-brancas para contestar o racismo que enfrentamos. Recentemente, tornou-se socialmente obrigatório para feministas brancas usarem o termo para descartar outras feministas brancas com as quais elas não concordam como incorporadoras do Feminismo Branco. As pessoas brancas começaram a chamar a atenção de outras pessoas brancas pela… branquitude. Não estou brincando. Em um artigo recente para a VICE, de alguma forma irônico, Paris Lees lamenta que “feministas brancas têm maiores plataformas de mídia…”. A artista Molly Crabapple, com plataforma de mídia e renda considerável (a não ser que se juntar à Samsung tenha sido um ato de caridade), fez tweets para invalidar pontos de vista, por conta do privilégio, das “senhoras brancas chiques“. Mas, daqui de onde estou sentada, ambas Paris e Molly parecem muito confortáveis.

Em vez de amplificar as vozes das mulheres não-brancas, ou de usar as próprias plataformas para destacar a intersecção entre raça e gênero, uma série de feministas brancas liberais sequestraram a crítica ao racismo com o intuito de dar suporte à própria imagem de progressistas – como se fossem o tipo certo de feminista, não uma Feminista Branca. Mas a cooptação da análise das mulheres não-brancas sobre o racismo dentro do movimento feminista é exatamente o tipo de comportamento para o qual a expressão “Feminismo Branco” foi criada para impedir. Pessoas brancas criticando “Feminismo Branco” perpetuam o privilégio branco. Priorizar a própria imagem, colocando-a acima da luta anti-racista liderada por mulheres não-brancas é, na melhor das hipóteses, narcisista, e na pior, racista. Essas ações apoiam a noção de que o racismo enfrentado por mulheres não-brancas é uma questão secundária, não uma preocupação principal dentro do movimento feminista.

Mulheres brancas usando o “Feminismo Branco” como uma vara para bater umas nas outras, e não como uma indução para que o próprio racismo seja considerado, é a branquitude em seu auge. Na corrida para “se lavar do privilégio”, as feministas brancas tornam-se as temidas Feministas Brancas por conta da apropriação indevida das palavras de suas irmãs marginalizadas para ganho pessoal.

Texto original aqui.

blackgirls

imagem via navy-bleu.tumblr.com

 

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Nem santas, nem putas: apenas humanas com capacidade de sentir prazer

Quem nunca ouviu algo como “tira a mão daí, menina” ao simplesmente dar uma coçadinha na xoxota que atire a primeira pedra. A vagina, sempre tratada por eufemismos fofos e delicados ou por palavras grosseiras que remetem à esculhambação e mau cheiro, é historicamente demonizada. Por isso, quem nasceu com ela no meio das pernas consequentemente tem o desenvolvimento psicológico, emocional e, ás vezes, até físico afetado por esses conceitos deturpados, que ora infantilizam e romantizam a vagina, ora tratam ela como algo grosseiro e pecaminoso. A misoginia, inclusive, começa com o estereótipo de que vagina (e quem a possui) é inferior, suja e deve ser reprimida, o que contribui com um panorama de mulheres cerceadas não apenas sexualmente, mas em outras esferas da sociedade, como social e econômica. Afinal, se pensarmos bem, minar a autoestima de uma pessoa implantando na cabeça dela inseguranças sobre o próprio corpo – a expressão máxima da existência de alguém no mundo – é um mecanismo de controle bastante eficaz.

O Xotanás, uma parceria entre os blogs Deixa de Banca e Vulva Revolução (eu), surgiu com o objetivo de falar sobre siririca e sexualidade feminina. Mas por que? Bem, resumidamente, a Amanda teve a ideia inicial e me chamou para botar em prática com ela e, juntas, pensamos sobre o assunto. Percebemos que, embora o senso comum acredite na tal história da ~liberação sexual~ e ache que as mulheres já conquistaram tudo o que queriam (quem dera!!!), ainda vivemos dentro de um cenário em que a sexualidade da mulher é regida pelo patriarcado e pela heteronormatividade: ela precisa ser feminina (ou seja, depilada, maquiada, perfeita, sem estrias, usar roupas que realcem as formas do seu corpo – se ela for magra, claro – e inteligente, mas sem tanta opinião) e pensar no prazer do outro. Esse outro é geralmente um homem que irá mudar a vida dela ao penetrá-la com a piroca mágica dele. E a sexualidade da mulher é comumente representada dessa forma, como se o mais importante fosse ser desejada por um homem, fazer um homem gozar, estar cheirosa para um homem, homem, homem, homem…

AFF.

No entanto, recebemos mensagens tão divergentes entre si (acho que o intuito é deixar a gente doida mesmo), que ao mesmo tempo em que somos incentivadas a fazer de tudo porque, uau, liberdade é isso aí, fazer o que os caras querem na cama, ainda existe, no fundo de grande parte das relações heterossexuais, uma mitologia antiga, da mulher que é boa, casta, pura e “para casar”. E enquanto rola um bombardeio sobre as cabeças femininas com mil sugestões diferentes relacionadas a como elas deveriam se comportar, muito pouco é falado sobre a importância do autoconhecimento não apenas para a construção de uma vida sexual satisfatória, mas principalmente para o próprio bem-estar físico e psicológico da mulher, que raramente é aconselhada a pensar nela mesma, apenas nela, e a descobrir o que a faz sentir prazer. Por isso, dentro desse contexto, a gente aqui do Xotanás acredita que siririca tem tudo a ver com autonomia, amor próprio e desconstrução da misoginia internalizada.

Felizmente, essa era internética em que vivemos está colaborando com o nascimento e divulgação de cada vez mais projetos voltados para a sexualidade da mulher. Por meio de textos, desenhos, entrevistas, vídeos e músicas, são travadas diversas discussões que buscam o real empoderamento da sexualidade feminina, sem aquele morde e assopra de revistas que dizem, na primeira página, que toda mulher é linda e poderosa e, na página seguinte, ofertam trezentos produtos de beleza diferentes e ensinam a “segurar” parceiros. Ainda assim, são muitos os relatos que recebemos (estão sendo publicados aos poucos aqui, enviem o de vocês) e que lemos por aí que, ao falar de masturbação, envolvem culpa e repressão familiar.

pollynordevil“The Devil Wears Nada”, ilustração de Polly Nor

Qual será o porquê de todo esse peso jogado em cima do nosso prazer? O livro “Vagina – uma biografia”, lançado pela escritora norte-americana Naomi Wolf recentemente, revela que a concepção ocidental que temos atualmente do órgão sexual feminino, “cheia de vergonha, sexualizada de um modo restrito e funcional, dessacralizada e cientificamente escrutinada”, começou no século XIX. Teorias misóginas de todo o tipo foram disseminadas, como, por exemplo, que o clitóris era a causa da corrupção moral e “boas mulheres” não tinham apetite sexual.  Uma das teorias dizia, inclusive, que permitir que mulheres lessem romances poderia deixá-las com um desejo sexual enlouquecido e descontrolado (ou seja, controle sexual e da emancipação intelectual feminina em uma tacada só).

De acordo com a autora, o clitóris é estudado, esquecido e descoberto novamente desde 1559. No entanto, no período vitoriano a  vagina passou a ser profundamente patologizada e criou-se uma ideia de mulheres “boas” e “más” que vinha da conduta sexual delas: quem não se deixasse afogar pela própria libertinagem poderia ser considerada uma mulher de respeito. E essa libertinagem não estava relacionada apenas ao ato sexual, mas também à masturbação. “Em 1850, os formadores de opinião vitorianos na área médica e social estavam convictos de que a masturbação, para ambos os sexos, levava perigosamente a ‘um espectro de doenças psicológicas terríveis’, que acabariam por levar o masturbador a um estado de loucura”, escreve Wolf.

O livro “A assustadora história do sexo”, do médico e escritor britânico Richard Gordon, mostra retratos clínicos da época, que descreviam pessoas que se masturbavam praticamente como doentes. Ele acredita que isso parte de uma necessidade que a sociedade tem de criar “perigos” que façam as pessoas se sentirem culpadas, pois “um pecado espalhado universalmente tece uma camisa de silício macia” (camisa de silício era uma espécie de túnica incômoda, de tecido grosseiro, utilizada durante penitências). Gordon levanta, inclusive, uma questão interessante: essa culpa sexual (que permanece ainda hoje) tem muito a ver com a culpa “mastigatória” dos tempos atuais, em que médicos advertem contra diversos tipos de comida e o público começa a temer “perigos físicos, estéticos e morais de estarem levemente acima do peso” – o que gera muito lucro para a indústria mundial do emagrecimento.

Homens e mulheres foram torturados em prol da erradicação desse ~grande mal~ que era a masturbação. Porém, assim como as mulheres de hoje são os maiores alvos das “dicas de dietas” (a dieta é o sedativo político mais potente na história da mulher, uma população levemente louca é uma população dócil”, já disse Naomi Wolf em outro livro – “O Mito da Beleza”), a antiga obsessão em erradicar a masturbação era ainda maior se o assunto era siririca, e isso podia ser diretamente relacionado ao medo de educar e emancipar mulheres – o receio geral era de que a leitura pudesse levá-las ao ato de tocar o próprio corpo em busca de prazer. Segundo Wolf, no período pré-vitoriano, mesmo mulheres da elite não eram educadas e nem tinham direito a propriedades, logo, pouco importava se tocavam uma siririca ou não. Só que, no século XIX, as mulheres estavam conquistando mais direitos e a tentativa de frear a autonomia delas – tanto sexual, quando intelectual – talvez fosse uma reação contra isso. “Muitas mulheres, hoje, sentem que sua sexualidade é algo distinto do resto de seu caráter e acabam por privar-se dela em prol de outros papeis mais admiráveis, como o de mães, esposas ou profissionais (…). Esse conjunto de crenças não é uma constante humana – nem mesmo é antigo; isso foi essencialmente inventado quando os críticos culturais na Europa e Estados Unidos ficaram alarmados pela emancipação feminina, e a sexualidade da mulher foi entregue a um profissional masculino, o ginecologista”, conta a autora.

O século XIX criou o problema e a solução: ao mesmo tempo em que patologizava a sexualidade e o corpo feminino, inventava tratamentos e buscava soluções para os “problemas sexuais” das mulheres. A sexualidade feminina era considerada uma grande ameaça à ordem social. Logo, o período vitoriano se viu marcado por avanços científicos que se chocavam com conceitos rasos que buscavam manter a mulher “domada”: o útero era visto como fonte de mau humor feminino, a menstruação era tratada como incapacitante e educar mulheres poderia ser nocivo para elas, porque poderia fazer com que se tornassem masculinizadas e “solteironas”.  Sob o domínio masculino, a ginecologia se desenvolvia; e pelas mãos dos homens, mulheres tiveram seus corpos analisados, estudados e invadidos – o norte-americano J. Marion Sims, por exemplo, criou uma técnica para reparar fístulas vesicovaginais praticando, sem anestesia, em mulheres escravizadas.

“De 1860 a 1890, a brutalidade e a natureza punitiva das práticas ginecológicas masculinas atingiram seu ápice. Nesse período, o uso da clitorectomia se tornou, se não comum, pelo menos não mais inédito no ‘tratamento’ de garotas que insistiam naquele vício pavoroso, a masturbação feminina. O dr. Isaac Baker Brown introduziu a clitorectomia na Inglaterra em 1858, e ainda era muito praticada por ele dez anos depois. O dr. Brown se tornou famoso e muito procurado por sua ‘cura’, que aplicada em garotas fogosas, após a excisão de seu clitóris, fazia que voltassem para suas famílias em um estado de docilidade, mansidão e obediência – um resultado que podemos agora compreender como inquestionavelmente resultante do trauma e também da interrupção da ativação neural. E até mesmo para garotas que não eram ameaçadas com a excisão do clitóris como punição pelo ‘vício solitário’, havia manuais morais e até publicações populares repletas de advertências sobre como uma mulher masturbadora, incitada por ‘romances franceses’ ou ‘novelas sensacionalistas’, poderia ser facilmente identificada por sua lascívia, apatia, palidez, olhos febris e aspecto geral de dissimulação e insatisfação. Havia o entendimento de que a masturbação levava as garotas a uma trajetória cada vez mais descendente, com formas ainda piores de ‘vício’ e lascívia moral; os pais eram aconselhados a ser vigilantes e rígidos com as garotas que persistissem”, explica a escritora.

Para os homens, Gordon relata que a “política de mãos-ao-alto” envolvia ir para a cama com luvas de metal (tipo raladores de cozinha) ou camisa-de-força, uso de cinto que prendia o pênis em molde de metal ou corte de nervo do órgão sexual masculino, entre outras práticas. Embora os rapazes também possam guardar sua parcela de ~culpa masturbatória~ (bom, pelo menos foi o que alguns me disseram), a naturalização da prostituição e pornografia, bem como uma sociedade que atua sob o olhar masculino em grande parte dos seus recortes, são fatos que revelam que a sexualidade masculina é bem menos cerceada – muito pelo contrário, ela é incentivada e celebrada, ainda que de forma doentia, rasa, nociva e extremamente perigosa para mulheres, além física, intelectual e sensorialmente pobre para os homens.

É tudo sobre lucro e dominação.

Como já foi mostrado, resquícios do modelo vitoriano de pensar permanecem em nossa sociedade. Pior ainda: nem sempre são resquícios, muitas vezes são novas roupagens para teorias antigas que buscam demonizar a sexualidade e o corpo feminino e, consequentemente, destruir a autonomia e autoestima de mulheres, porque medo, insegurança, falta de autoconhecimento, vergonha, nojo e culpa são instrumentos que visam nos manter submissas, paralisadas, dóceis e manipuláveis.

Porém, a cada dia, novas pernas femininas ganham as ruas e conquistam espaços pelo mundo, enquanto dedos que na intimidade acariciam o clitóris, em um ritmo suave e gostoso, se levantam, em riste, para sinalizar um grande não a quem grita “tira a mão daí, menina”. Os nossos corpos são nossos, não são sujos e problemáticos e serão explorados por nós mesmas, em uma jornada que celebra o bem-estar feminino. Não somos putas nem santas que merecem mais ou menos respeito, mas apenas humanas com a capacidade de sentir prazer.

Post orginalmente publicado mês passado no Xotanás.

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Sobre hashtags, violência e quebra de silêncios

Nos últimos tempos, as hashtags #primeiroassedio e #meuamigosecreto fizeram muito barulho pela internet. É bom demais ver a união de vozes de diversas mulheres dando destaque para problemas tão sérios como as violências físicas, sexuais e psicológicas que nos rondam a todo momento. E é também doloroso ver tantos relatos terríveis e, infelizmente, comuns. Graças a essas hashtags, foi possível sistematizar de forma mais concreta o que feministas falam o tempo inteiro, que toda mulher tem uma história de horror para contar. Estatísticas sobre violência existem aos montes, porém, com essas campanhas, esses números ganharam rostos e muita gente teve a chance de ver conhecidas, amigas, irmãs, primas, colegas de trabalho, mães e outras pessoas próximas relatando alguma situação ruim.

O machismo e a cultura do estupro pregam que é um direito masculino amedrontar, dominar e possuir sexualmente tudo o que for vulnerável (e assédio, por exemplo, é a lembrança disso, não é “elogio”, como alguns pensam) e que o corpo do sexo feminino é algo público e inferior, principalmente quando não escoltado por um homem. Tanto que o site ThinkOlga, que iniciou a campanha #primeiroassedio após vários caras tecerem, redes sociais afora, comentários nojentos e pedófilos sobre uma participante de 12 anos do MasterChef Jr., analisou milhares de tweets e constatou que a idade média do primeiro assédio na vida de uma mulher, dentro do recorte observado, é aos 9 anos de idade – eu, como muitas de vocês, sabia disso na pele (algo que temos que discutir mais e mais: pedofilia não é exatamente uma patologia nem exceção, mas parte da cultura do estupro, pelo visto).

Já o uso da hashtag #meuamigosecreto foi uma iniciativa do coletivo Não Me Kahlo, que também se espalhou rapidamente e foi bastante divulgada pela mídia nacional (e ganhou espaço até em veículos internacionais). Por meio da hashtag, mulheres puderam relatar comportamentos machistas de ex-companheiros, colegas de trabalho, amigos, figuras públicas e etc.

Um monte de gente (homens, principalmente, claro) tentou esvaziar o assunto, dizendo que os posts não passavam de “mimimi” e indiretas (como se o Facebook, por exemplo, já não fosse um grande mar de indiretas). No entanto, como já escrevi antes pelas redes sociais, achei as campanhas úteis para que mais gente pudesse ter uma visão sistêmica da violência contra a mulher. Não somos indivíduas assediadas porque merecemos passar por isso, mas membras de uma categoria historicamente vista como inferior e violável – e quanto mais gente falando a mesma coisa ao mesmo tempo, mais fácil compreender esse ponto. Por isso, uma consciência coletiva é importante para o fazer político (sem união e percepção de que existem muitas demandas em comum, fica difícil articular ações em grupo), e a internet é uma excelente ferramenta para a criação dessa consciência.

amigosecreto

imagem retirada da página do Facebook chamada Meu Amigo Secreto É:

Dimensão das violências

Com a enxurrada de denúncias, passei a ver ainda mais gente se dando conta de como o assédio contra pessoas do sexo feminino é algo normatizado pela sociedade, mesmo que o alvo sejam crianças. E percebi também que um monte de gente que nunca tinha se interessado por questões feministas antes, participou dos movimentos virtuais e colocou a boca no trombone.

Por mais que esses desabafos tenham acontecido em um espaço limitado, principalmente entre pessoas privilegiadas com acesso à internet e etc, tive esperança da possibilidade de uma mudança de cenário, ainda que em um futuro distante. Quebrar ciclos de silêncio é fundamental para que as mulheres passem a confiar umas nas outras – e para que abusos, assédios, estupros e outras violências sejam nomeadas corretamente ao invés de tratadas como algo que acontece com “quem merece” ou “não se comportou”. O que a gente merece é respeito, oras.

Em um mundo ideal, agressores seriam devidamente punidos e rechaçados e vítimas não precisariam se ausentar de espaços públicos para conseguir segurança física e psicológica. Mas o que a gente vê acontecendo é o contrário: os caras que fazem merda estão por aí, impunes, enquanto mulheres são hostilizadas e culpadas pelas violências cometidas contra elas. E são inúmeros os relatos do despreparo do poder público em lidar com as especificidades das violências que as mulheres sofrem.

Na semana em que o #meuamigosecreto estava bombando, por exemplo, uma mulher foi presa em Brasília por dirigir alcoolizada para denunciar estupros que havia sofrido. O caso ganhou notoriedade porque amigos dela buscaram ajuda pelas redes sociais. A mulher foi para a delegacia de madrugada e só no dia seguinte foi encaminhada aos exames necessários para comprovar os crimes sexuais e tudo mais – e o responsável pelo caso passou a negar que ela foi autuada e que a denúncia de estupro não foi imediatamente levada a sério, o que é bem estranho, visto que quando os amigos dela apareceram pedindo ajuda, a mulher já estava há muitas horas na delegacia e as coisas só mudaram quando advogadas e imprensa foram ao local.

Exposição nominal de “supostos” agressores

Em Brasília, um dos desdobramentos do uso da hashtag #meuamigosecreto foi a exposição nominal de caras que fizeram merda. Mais do que isso: surgiu um blog expondo, além de nomes, fotos e tipos de crimes “supostamente” (olha o resguardo jurídico aí, gente) cometidos por onze rapazes. Se os homens já estavam preocupados com as “indiretas”, a partir daí, começaram a brotar análises masculinas (e algumas de mulheres também) sobre como esse tipo de atitude é errada, precipitada e deveria ser resolvida na justiça. O caso que citei ali em cima, da mulher que foi presa ao dirigir alcoolizada para denunciar os próprios agressores, é um exemplo de como o acesso à justiça é muito mais complicado do que se pensa quando o assunto é violência física, sexual e psicológica contra a mulher (e fica ainda mais complicado se ela for pobre, se tiver se relacionado com o agressor, entre outras inúmeras questões). Além do mais, existem crimes difíceis de tipificar e muitos preconceitos a serem quebrados dentro da nossa cultura.

Como disse uma amiga em resposta a um texto péssimo contra o blog (que mais defendeu homens do que realmente propôs alguma ajuda às vítimas, mas não vou divulgar ele aqui), “esta forma de denunciar violência sexual – sentar em um banco frio de delegacia e relatar a um completo estranho tudo o que se passou com seu corpo, ter de explicar por que estava sozinha, por que vestia aquela roupa, por que bebeu demais em uma festa, por que você se submeteu a toda uma infinidade de fatores que te levou a sofrer a violência – tudo isso foi criado por homens e para homens defenderem sua própria ‘honra’.  As mulheres precisam se desdobrar em mil para provar que são vítimas. Os jornais, ao noticiar um estupro, nunca dizem ‘vítima’, é a SUPOSTA vítima, o SUPOSTO estuprador. Quando uma pessoa é assaltada, não se fala em SUPOSTO assaltante. Ninguém duvida de uma pessoa que foi assaltada. Para declarar a nítida incompetência do Estado em proteger as mulheres, para provar que as denúncias formais não trazem justiça para a maioria de nós, foi por isso que o blog apareceu. Um grito em meio ao silêncio que toda a sociedade faz quando uma mulher é estuprada. As vias judiciais não são eficientes nem eficazes em nos proteger”.

Claro que blogs anônimos abrem uma porta perigosa. Uma coisa são mulheres desamparadas buscando formas de chamar a atenção para seus problemas e outra são homens que já possuem recursos e leis a seu favor utilizando esses meios para difamarem ainda mais mulheres do que eles já difamam (não vamos fingir que isso não acontece, porque acontece o tempo inteiro, a manutenção de privilégios masculinos passa também pela difamação da mulher). E isso pode rolar. Sem contar que se a identidade da autora (ou autoras) do blog for descoberta, é perigoso. E as próprias vítimas podem sofrer retaliação. Mas devemos também pensar mais a fundo: por que será que foi preciso chegar a esse ponto? E mais: por que não existe toda essa mobilização quando é para prevenir ou punir crimes sexuais? Por que a polícia foi tão rápida em abrir inquérito para apurar as ~denúncias de calúnia~ envolvendo o blog  e não tem a mesma velocidade quando denunciamos stalkers ou blogs que disseminam discursos misóginos, homofóbicos e racistas? Por que discursos de ódio não chocam tanto quanto mulheres tentando se proteger? Por que a honra dos caras envolvidos está sendo mais debatida do que a saúde física e psicológica das vítimas?

Um dos caras apontados como agressor se manifestou, assumiu o crime e mandou um “desculpa aí” para a vítima. Nós, mulheres, somos tão pouco valiosas assim para que essas violências sejam vistas com tanta banalidade?

Muitos dos rapazes indignados com a exposição são amigos de agressores e/ou de caras misóginos que desumanizam mulheres e chamam todas de vadias, vagabundas, burras e coisas do tipo (ou eles mesmos são assim). Onde estava essa indignação antes? Não é possível que nunca tenham visto nada de errado nos bróders. Eu mesma faço trabalhinho de formiga há muito tempo (e sei que outras minas fazem), apontando as merdas que vejo, e já ouvi muita justificativa tipo “ai, o fulaninho playboyzinho que assedia meninas alcoolizadas que estão dormindo tem muitos problemas, tadinho” ou “o misógino escroto do rolê usou muita droga e acabou ficando assim meio doidinho, não é por mal”, “o artistinha machista é gente boa, juro”. Passação de pano atrás de passação de pano, enquanto nós nos tornamos as chatas, as doidas, as malucas, as mal-comidas, as que falam demais.

O que me parece é que para a sociedade atual, estupro não é um problema. O problema é ser chamado de estuprador (o mesmo vale para outros crimes). Ninguém se importa com os sentimentos e a dor das vítimas, a misoginia tem raízes tão fortes que o sofrimento real de uma mulher vale menos do que a ‘honra’ de um cara. “Não estraga a vida dele só por isso”, é o que muita mina por aí costuma ouvir quando quer expor sua situação, sendo que esse “só” era a dignidade e integridade física e psicológica dela.

Não tenho respostas definitivas sobre nada, só várias perguntas e convites à reflexão. E gostaria mesmo que se tornasse cada vez mais comum o diálogo sobre violências no momento em que elas acontecem. Vamos parar de fechar os olhos, por favor? Expor é errado? E agredir? Quanto tempo da sua vida você dedicou defendendo um cara? E uma mulher?

Estamos todas no mesmo barco

É muito difícil mapear o meu primeiro assédio porque isso é algo que acontece há muito tempo e o tempo todo. Uma das primeiras vezes que alguém mexeu comigo na rua (das que eu me lembro, pelo menos) e me deixou chocada pela “falta de modos” (pra não dizer pior) foi um senhor de idade, aqui em Brasília. Ele agiu de forma tão sorrateira (murmurou coisas tipo “gostosa” e afins quando não tinha ninguém olhando), que fiquei apenas envergonhada e sem reação, esperando meu ônibus após uma prova do PAS. Homens de faixas etárias diversas – mesmo os que supostamente deveriam ter adquirido alguma empatia ao longo do acúmulo de experiências de vida – podem ser babacas.

E tenho memórias anteriores de acontecimentos bizarros, tipo um conhecido da família que, durante um churrasco, lambeu e mordeu minha bochecha de um jeito muito esquisito, meio lascivo. De estranhos olhando para os meus seios que começavam a crescer, quando eu era pré-adolescente, o que me deixava com muito nojo de mim mesma. De comentários sobre as minhas pernas grossas quando eu era apenas uma criança. Tenho várias outras lembranças, e poderia escrever um livro inteiro só sobre isso. Mas não é fácil lidar com esses assuntos, porque ás vezes envolvem laços sociais e familiares que a gente quer ou precisa manter, envolvem sentimentos mistos de raiva e compaixão com pessoas que convivemos, envolvem questões que não queremos aceitar e falar sobre publicamente, envolvem tantos sentimentos angustiantes e conflitantes, que imagino que o que vemos em textos como este seja apenas a ponta do iceberg, embora pareça muita coisa.

Estive no Rio de Janeiro recentemente e saí com um conhecido de uma banda que gostava e admirava a trajetória. Nos falávamos pela internet e pensei que seria a primeira vez que a gente iria conversar de verdade ao vivo. Adoro música, estou sempre em shows e acompanho o que rola musicalmente em diversos lugares do Brasil e do mundo. Mas ainda não aprendi que ser mulher é difícil em qualquer ‘cena’, mesmo naquelas que se dizem diferentes, descoladas e alternativas. Em um breve resumo (muito breve mesmo): não senti nada pelo cara, que forçou a barra mesmo assim e agiu que nem um idiota, tentando fazer coisas que eu não queria. Ele foi brusco, grosseiro e desesperado. Em um local fechado, (“vamos ali deixar uns discos”), mostrou o pinto sem contexto algum pra isso, ficou apertando meu braço e depois perguntou o porquê de eu estar tão nervosa. Detalhe: ele é gigante e eu sou baixinha e, sim, tinha bebido várias cervejas, o que me tornava mais vulnerável, embora estivesse consciente (se não estivesse, estaria correndo mais risco?).

Além do medo (mas nada além disso aconteceu, felizmente), me senti humilhada por não ter sido levada a sério enquanto uma pessoa que gostava do trabalho dele. A gente mal conversou algo que preste, o cara só me enxergou como uma vagina ambulante mesmo. Minha vontade era de ter gritado loucamente que tive muito medo de ser estuprada, e sair arrancando todos os adesivos feministas que estavam hipocritamente colados no rolê dele. Mas acabei sendo trouxa e fui mais branda do que deveria. E o cara está por aí, postando coisas lindas, fofas e feministas nas redes sociais, achando que ninguém sabe que ele é um mostrador de piroca que ainda por cima maltrata ex-namoradas e dá guitarradas em minas, entre outras coisas que não tenho confirmação (recebi essas informações pelo que os machos chamam de “fofoca”, mas eu chamo de “mulheres traçando perfis na tentativa de criar espaços mais seguros ao redor delas”).

E vocês pensam que esse dia acabou por aí? Não. Peguei um táxi para ir embora. Entrei no carro muito triste e o taxista, talvez tentando surfar na minha aparente vulnerabilidade, começou a puxar conversa, falar que eu era bonita, interessante e chegou ao ponto de pedir pra eu desistir do meu destino e sair com ele naquele momento. Tudo isso em um tom meio ameaçador, quase me coagindo a dizer sim para que a situação parecesse consensual. Passei a viagem inteira segurando para não chorar. Mais uma vez o medo de ser estuprada rondava a minha mente, e eu agia com muito cuidado, tentando não dar muita bola, para ele não usar isso como justificativa, caso fizesse algo contra mim, e não ser muito grossa, para não irritá-lo e não “provocar” uma reação imediata e ruim. A cada resposta negativa, ele insistia mais e mais, e dizia as mil coisas que gostaria de fazer comigo. (Poucos dias depois, li a história de uma menina que foi estuprada brutalmente ao pegar um táxi no Rio e fiquei apavorada – e ouvi histórias do tipo sobre a tia de uma amiga). Argh.

No fim do dia, nada tinha acontecido comigo, fisicamente. Mas passei tanto medo e raiva que, sério, só conseguia pensar no tanto que homem pode ser um lixo. Todos os tipos. Quando desci do táxi, estava tão atordoada que a vontade de chorar passou e não voltou mais. Ela se entranhou em mim e virou uma bola de aço pesando no meu peito. Dormi um pouco, mas logo acordei, com o coração disparado, a respiração abafada (tenho problemas com ansiedade). Bebi água, me alonguei, mas não adiantava. Foram horas de agonia, revivendo não apenas os acontecimentos do dia, como os da minha vida inteira. O que separa um assediador “brando” de um estuprador? A oportunidade? O quê?

Lembrei de quando fui para Cuiabá, ano passado, e levei cantadas de mais de oito caras diferentes (comecei a contar, de tão bizarro que tava), fui perseguida por uma moto em uma rua deserta e, quando finalmente cheguei ao meu destino, comecei a tocar desesperadamente a campainha da casa da minha amiga, enquanto dois homens em um caminhão ficaram me encarando e cochichando entre si, fazendo eu pensar que eles iriam me enfiar lá dentro e fazer alguma coisa. Tudo isso aconteceu em – pasmem – um espaço de tempo de mais ou menos uma hora. E do ~melhor amigo~ de um namorado que tive em São Paulo, que tentou abusar de mim enquanto eu e meu namorado dormíamos, abraçados e bêbados após uma festa muito legal (ou seja, nem a ‘honra’ do macho amigo o moleque respeitou – e outros dois rapazes estavam por perto e não fizeram nada). O imbecil foi pego no flagra pela minha ex-sogra e teve a coragem de dizer que eu tinha dado em cima dele (dormindo?). Ela nem gostava muito de mim, mas enxotou o cara de casa e me apoiou de verdade, pois realmente baniu o rapaz do convívio familiar e achou um absurdo o que ele fez (isso é sororidade, gente). Essa, aliás, foi a minha primeira e última experiência com a Delegacia da Mulher – liguei para ver o que podia ser feito e fui tratada com tanto desdém que desisti. E a pessoa queria, imediatamente, dados do assediador que era impossível eu ter, e foi pouco solícita e gentil. Lembrei também de quando fui dar uma volta de bicicleta e um tarado ficou me mostrando o pinto no Parque da Cidade de Brasília, enquanto se masturbava, e me deixou com medo de andar por lá sozinha até hoje (e seguranças do local disseram que “é assim mesmo”). E dos ~urubus de porta de escola~ (é assim que chamo homens mais velhos que ficam fazendo amizade com gente que ainda está no colégio), que eram escrotos e assediavam amigas, conhecidas e eu.

Lembrei de um amigo, da música de novo, que eu gostava bastante e tinha um discurso lindo, maravilhoso, sensível, feminista, empoderador e incentivador, e que mudou bastante e passou a ser bem grosseiro assim que ele percebeu que não iríamos ter nada. Dos caras que eu andava quando adolescente, que tocavam em bandas de hardcore, eram vegetarianos… E extremamente machistas, misóginos, homofóbicos e racistas – e muitos possuem um histórico sinistro de comportamentos violentos e/ou psicologicamente abusivos. Lembrei de outros caras que adoram falar de desconstrução de comportamentos e novos modelos de vida, mas agem que nem todos os homens que criticam. Estou farta desses homens que se dizem sensíveis, mas só defendem a autonomia-da-mulher-de-dar-pra-eles (mas se for pra outros e pra eles não, daí é tudo ‘vadia’). Todas as nossas outras questões que são muito mais urgentes, principalmente as que passam direto pela mudança de comportamento deles, são esquecidas. Nos levar a sério e prestar atenção no que a gente faz, sem que o nosso corpo seja uma moeda de troca, parece algo fora de cogitação, bem como nos tratar de forma decente mesmo que nossa vagina esteja indisponível – ou já tenha sido consumida, já que pra muitos ela parece mais uma coisa do que parte de um ser humano. A heteronormatividade e toda essa hierarquia e obrigatoriedade sexual que permeiam as relações entre homem e mulher são uma bosta.

(Aliás, liberação sexual é o caralho, eu quero é trabalho digno sem macho do meio cultural que se acha revolucionário me fazendo propostas vergonhosas de emprego e oferecendo salários baixíssimos – e ainda se vangloriando que “só trabalha com mulher”. Quero ser ouvida por pessoas do meu convívio quando aponto que não é legal reforçar estereótipos preconceituosos sem que tentem me pintar como louca porque minha voz abala a estrutura de grupinhos fechados que sobrevivem a base de bullying. Quero poder pagar a porra de uma conta no banco sem que eu precise escutar o que os caras no caminho acham da minha bunda. Quero que ideias e palavras de mulheres preencham jornais, revistas, livros, escolas, palestras, rádio, televisão e o nosso corpo pare de ser visto como entretenimento – a atenção midiática e com prazo de validade dada ao nosso corpo não passa de uma migalha com o intuito de nos enganar, tipo “vejam como vocês já possuem espaço!”, enquanto o real poder continua na mão de homens).

Lembrei de pessoas que amo que foram agredidas por parceiros, abusadas por amigos, violentadas por parentes. De professores que gastavam o precioso tempo em sala de aula disseminando piadas misóginas sobre como pegar mulher ou sobre como somos naturalmente tapadas e malignas. De pais que simplesmente escolhem não exercer a paternidade. Lembrei de mulheres incríveis que tiveram o próprio desenvolvimento intelectual, físico e emocional comprometido, porque precisaram cuidar de pais, irmãos, maridos, filhos – abraçaram o mundo, enquanto ninguém abraçou elas de volta. Lembrei de tanta coisa, tanta coisa mesmo, que resolvi escrever, escrever, escrever. E escrevi muito, mas não tudo. Não o suficiente. Não o bastante. Algumas coisas não consigo nem colocar pra fora. Mas, mesmo assim, consegui transformar a dor em força, ainda que lacunas não preenchidas continuem a existir.

Eu não vou me sentir culpada por ser uma mulher querendo viver a vida, a arte, o amor e o espaço público de forma realmente intensa e autônoma. Os caras que tentam despejar em nós, mulheres, o peso da própria cegueira, falta de autoconhecimento e de uma identidade fragilmente construída em noções cruéis de dominação (mesmo que isso tudo venha disfarçado em uma linda melodia ou obra de arte) que carreguem a culpa de serem os merdas que são (minha coluna, aliás, está cada vez mais ereta, enquanto eles estão cada vez mais corcundas).

Que os silêncios sejam todos quebrados e seus estilhaços rasguem os ciclos de violência.

P.S: Vale ressaltar que esse texto é de uma mulher branca, com ensino superior completo e outros privilégios. Ou seja, a situação de muitas outras mulheres é ainda MUITO PIOR e MAIS DIFÍCIL. E eu sou jornalista e circulo mais em ambientes relacionados à comunicação e cultura, mas todos os meios tem suas histórias de horror pra contar (nem o Itamaraty escapou), só que certos lugares ganham destaque com mais facilidade.

EDIT: Este texto foi escrito em dezembro de 2015. Faço um adendo agora, em novembro de 2016, quase um ano depois, para acrescentar que, em julho, sofri tentativa de agressão física (com inúmeras testemunhas) durante o lançamento de um livro de um amigo, por parte de um colega do ‘cara da música do Rio de Janeiro’ citado acima. Ainda fui “acusada” de provavelmente ser uma ‘chupadora de xoxota’, risos, entre outros insultos lesbofóbicos e extremamente machistas. Ah, e outras mulheres compartilharam seus relatos envolvendo a mesma pessoa.

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VULVA LA REVOLUCIÓN!

Eu já pretendia falar sobre o VULVA LA REVOLUCIÓN! por aqui, mas a correria da vida acabou atrasando um pouco esse post. Muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, gente… No entanto, aqui estou, pronta pra contar como foi esse lindo dia. Pra quem não sabe, o VULVA LA REVOLUCIÓN! foi um encontro que rolou 26 de setembro e surgiu com o intuito de estreitar laços entre mulheres e celebrar o primeiro ano de existência aqui do blog – e também a nova e exclusiva identidade visual, criada pela artista brasiliense Nana Bittencourt, que foi também a responsável pela arte do evento. Ela é uma mina muito cuidadosa e talentosa em tudo o que faz, com uma sensibilidade incrível.

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O Espaço Criaticidade – um lugar novo em Brasília (DF), que nasceu com o objetivo de movimentar a cena independente local de artistas & arteiros – foi o escolhido para abrigar uma tarde de feirinha, bebidas, músicas, rodas de conversa, jogos e muito, muito amor femininja. Aproveitei a ocasião para recolher roupas e produtos de higiene pessoal para a Casa Abrigo do DF, e livros para entregar para a galera do Slam das Minas, que realizou atividades relacionadas à literatura e poesia na Colmeia, presídio feminino do DF. Muitas doações foram recebidas! Já entreguei os livros, e essa semana entrego o que vai para a Casa Abrigo.

Tinha algum tempo que eu queria fazer algo do tipo. Porém, quem já produziu qualquer tipo de evento sabe o trabalho que dá: durante o VULVA LA REVOLUCIÓN! foi preciso cuidar de divulgação, decoração, entrar em contato com as mulheres dispostas a participar da feirinha, realizar inscrições para as rodas de conversa, comprar materiais para preparar as atividades propostas, montar os jogos, elaborar playlists de música, conseguir som, conversar com umas pessoas ao vivo, ligar para outras, olhar mensagem no celular, nas redes sociais, responder perguntas, analisar gastos, tirar fotos, entre outras milhões de coisas. E um evento independente & feminista, nossa, é ainda mais difícil. Porque não tem fim lucrativo e nem apelo comercial, sexualizado, VIP, drinks, balada, noite, hype, etc.

De qualquer forma, deu tudo certo. Primeiro, porque já trabalhei com produção – e já produzi coisas minhas antes, como a festa ¡LAS LOCAS!, que coloca minas no front na produção, discotecagem, fotografia e músicas selecionadas. E segundo porque sou rodeada de amigas e amigos maravilhosos, que me ajudaram muito e se envolveram no processo de forma bastante ativa e interessada, respeitando e entendendo minha proposta (aliás, muito obrigada, amo vocês).

Rolaram duas rodas de conversa. A primeira foi “Ecofeminismo, saúde e menstruação”, que teve Ariadne Hamamoto como guia (a outra mediadora infelizmente ficou doente e não conseguiu ir). Ela é estudante de design na Universidade de Brasília (UnB), manja muito sobre ciclo menstrual, trabalha com encadernação e desenvolve o projeto Diário da Lua Vermelha (ou Diário Lunar-Menstrual), que serve pra gente registrar e acompanhar nosso ciclo menstrual e o ciclo da lua. A partir de anotações relacionadas às mudanças físicas, emocionais, mentais e energéticas do corpo, fica mais fácil perceber as quatro fases desse ciclo — a menstruação, a pré-ovulação, a ovulação e a pré-menstruação. “Nascemos em uma cultura que é baseada em ciclos solares e masculinos, que menospreza os ciclos femininos e lunares. O resgate da conexão com o ciclo menstrual é o resgate do poder feminino, é empoderamento sobre nosso corpo e nossa fertilidade, é honrar e fortalecer a nós mesmas e a todas as mulheres”, segundo as próprias palavras de Ariadne.

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Mulherada reunida ❤

A segunda roda, “Conversa sobre museus e feminismo”, foi orientada por Laurem Crossetti, que é daqui de Brasília mas atualmente mora em Portugal. Ela é formada em Artes Visuais pela UnB e é especialista em Arte e Cultura, mestre em Estudos Curatoriais e atualmente desenvolve pesquisa de doutorado na Universidade do Porto. Laurem é também uma das idealizadoras do projeto Nós e o mundo, que reúne arte e literatura do Brasil e de Portugal (tem texto meu na série de cartões postais editada por eles, aliás. Entrem na lojinha do site pra ver – e comprar, heh). A conversa teve como base a seguinte pergunta: quais relações podem existir entre os museus e o feminismo?

Confesso que, embora os temas fossem muito atraentes, fiquei com medo de deixar minhas convidadas falando sozinhas. Será que as pessoas iriam querer bater papo no sábado ao invés de ficar em casa de pernas pro ar? Ainda mais com o calor que estava (e ainda está, socorro) fazendo em Brasília… Fui recebendo diversas inscrições por e-mail e me tranquilizando e, no dia, tudo correu bem. Ufa! Mulheres maravilhosas apareceram para contribuir e trocar ideia. Foi bonito demais, sério, fiquei emocionada. Na primeira roda, compartilhamos informações sobre nosso corpo, ciclo, saúde física e psicológica, anseios, angústias, felicidades, tristezas… Já na segunda, falamos de aspectos mais amplos, relacionados à representatividade, espaço e voz no mundo das artes.

Ambas montaram banquinha no evento, que contou também com a participação de mulheres dos quadrinhos, artes plásticas, cinema e artesanatos diversos. Tinha também gente vendendo coletor menstrual, docinho, tatuagem removível, adesivos e imãs com imagens feministas, etc. O foco principal foi no que é único, artístico, criativo e independente, porque apoiar o que é feito localmente é apoiar a economia local. E apoiar as mina é fortalecer as mina! Tive a oportunidade de conhecer não só um monte de gente legal, como também um monte de trabalho maneiro (nota mental: um dia preciso fazer uma compilação de trabalhos interessantes realizados por mulheres para divulgar aqui, a cada dia descubro algo novo). Até hoje tem gente entrando em contato comigo para mostrar ações, trabalhos, pedir sugestões, indicações… Aliás, o som do evento foi bem elogiado e acho que vou até tirar a poeira do meu perfil no 8tracks.

Durante o VULVA LA REVOLUCIÓN! rolaram brincadeiras também. Fizemos a PEPEKA MALUKA, uma vagina gigante com um buraquinho, pra acertar bolinhas coloridas dentro (a criançada adorou), e uma piñata literalmente escrota, para liberar as tensões causadas pelo sistema patriarcal, rsrs. QUEM NUNCA QUIS BATER EM UM SACO ESCROTAL COM UM TACO DE MADEIRA QUE ATIRE A PRIMEIRA PEDRA11!

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Em uma breve troca de e-mail com a galera da Universidade Livre Feminista, recebi uma dica importante: faltam relatos e sistematizações de experiências que incentivem atividades semelhantes. Por isso estou fazendo esse post aqui, ainda que uma semana depois do evento. Porque quero que mulheres & garotas que me leem saibam que é mais possível e viável do que parece organizar atividades coletivas e presenciais. Dá trabalho, mas vale a pena e é super divertido e enriquecedor. Mesmo nos meios alternativos ainda é raro termos a nossa voz colocada em primeiro lugar, até mesmo esses espaços acabam nos usando como isca, produto ou objeto de decoração. Então é muito importante que a gente se reúna e saiba o que a outra está fazendo, pensando, sentindo. Dessa forma, construímos redes de apoio, amizade e divulgação que passam a correr fora dos meios de ~broderagem~ e necessidade de aprovação masculina. E, olha, só posso dizer que a sensação de ver essas redes surgindo é tipo respirar ar fresco na praia depois de tanto tempo sufocada dentro de um quarto abafado.

Mas, para isso, é preciso também que a gente abandone vícios da socialização feminina, como a rivalidade e a implicância. Isso não significa todas nós temos que nos tornar melhores-amigas-para-sempre, e sim que precisamos começar a enxergar umas as outras com respeito e como seres humanas criativas, fazedoras e capazes, e não como “ain, aquela vaca que beijou o meu namorado em 1997” ou “a mina que usa o cabelo de um jeito estranho” ou “aquela que é metida pra caralho”, sei lá. Deixem os estereótipos rasos para as pessoas rasas, só o regime machista em que vivemos ganha com mulheres desunidas. O isolamento nos aliena de nossa própria condição de isoladas – e confinadas, vigiadas e controladas.

Se reunir fora da internet é fundamental. Não adianta só falar de representatividade, a gente precisa é construir essa representatividade nos espaços presenciais (e é ali, no olho no olho, que você vai descobrindo com quem pode contar). Ainda que um pequeno encontro possa parecer algo muito irrelevante, imaginem o peso de milhares de minas realizando pequenos encontros. Eu era apenas uma adolescente na primeira vez em que fui em um rolê de mulheres ouvir sobre assuntos específicos de nossas vivências e isso abriu muito os meus olhos. Eventos de certa forma pequenos, não em importância, mas talvez em alcance, causaram grandes mudanças em mim. Infelizmente já aconteceu de macho vir me dizer “ah, mas é só uma festa” ou “é só um rolê” quando o assunto era esse tipo de evento, mas eles não sabem o que é passar a vida inteira tendo que aturar o ponto de vista deles sobre nós até mesmo em lugares onde as coisas supostamente deveriam ser diferentes. FáCiL FaLaR, DiFíCiL SeR eU, ok? A vibe do VULVA LA REVOLUCIÓN! foi muito leve, agradável e acolhedora, graças a todo mundo que participou. Valeu demais, galera.

Mais fotos aqui.

Além de Facebook e Twitter, a Vulva Revolução agora também tem Instagram! 🙂

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Escrevendo sobre escrever

Este é um texto sobre escrever. E sobre mim. O que consequentemente acaba sendo um texto sobre eu escrevendo também. Talvez seja um pouco mais pessoal do que de costume e, por isso, essas primeiras linhas estejam tão cheias de enrolação. Estou ganhando tempo. Nunca é fácil falar sobre si mesma de forma objetiva, direta.

Aprendi a ler aos cinco anos. Na sala de aula, eu era deliberadamente excluída das atividades pela própria professora, porque já sabia ler. Estranho, né? A primeira palavra que li na vida, aliás, foi ca-ma, desse jeito assim, separadinho. Lembro exatamente do momento. Fiquei muito orgulhosa e feliz. Sempre gostei muito de livros e acho que é muito positivo rodear crianças com eles, sem ficar forçando a barra para que elas leiam x ou y. Antes de sequer ter completado a maioridade, eu já tinha lido livros maravilhosos para crianças e adolescentes de autores como Lygia Bojunga, Maria José Dupré, Pedro Bloch, Pedro Bandeira, Suzana Dias-Beck, entre outros, bem como várias revistas MAD, Chiclete com Banana e Bundas, biografias do Van Gogh e Chico Buarque e as clássicas revistinhas da Turma da Mônica, Disney, Luluzinha, etc. Não posso dizer se o contato indiscriminado com materiais “apropriados” e “inapropriados” foi positivo, porque é relativo. No entanto, afirmo que, no fim das contas, me tornei, no mínimo, uma pessoa muito sagaz e com um ótimo senso de humor.

Além de ler, sempre gostei de criar, escrever, desenhar. Fiz de tudo na infância: textos, ~programas de televisão~ e histórias em quadrinhos. Fui crescendo e começando a me achar menos capaz, mas ainda assim continuei colocando a criatividade em prática de diversas maneiras. Dizia sempre que seria jornalista (“igual minha mãe”) e, apesar de ter passado um tempo estudando moda, logo percebi a cilada em que havia me metido e acabei me formando em jornalismo mesmo – que, de certa forma, é uma cilada também. Ah, o sistema…

Atualmente, atuo como assessora de comunicação. E escrevo coisas pra mim, pra projetos independentes de amigos, pra blogs e, claro, aqui na Vulva. Gosto também de grupos online de discussão, embora esteja menos ativa nos últimos tempos. E continuo lendo bastante. Ainda assim, sempre tive dificuldade em verbalizar que quero ser uma… escritora. Me parecia algo pretensioso para se almejar. Nunca me senti culta o suficiente, boa o suficiente, produtiva o suficiente, interessante o suficiente. E olha que sempre fui elogiada pelas pessoas ao meu redor e não tenho nenhuma grande história de falta de apoio ou represália familiar. Imagina quem tem?

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Quadrinho de “O mundo de Julhelena”

Mais do que isso. Tenho também o privilégio de ter sido ~bem alfabetizada~, logo, o meu texto não me causa embaraço por conta de erros e as pessoas não julgam minha inteligência baseadas apenas em minha gramática. A sociedade acaba tratando como inferior quem não teve acesso à educação formal, ainda que existam mil maneiras de uma pessoa ser inteligente – e que seguir regrinhas não signifique necessariamente ser inteligente (caso contrário, não existiria tanta gente com doutorado falando besteira por aí).

Estou sempre escrevendo alguma coisa. Ainda que de forma espaçada ou, ás vezes, sem gostar tanto do resultado. Eu tinha um hábito terrível de jogar fora textos, desenhos e outras coisas feitas por mim, e isso acontecia por diversos motivos: medo de ter o meu ~interior~ exposto, caso alguém mexesse em minhas gavetas, medo de ter minha complexidade & subjetivo definidos por um conjunto de palavras péssimas ou rabiscos horríveis, etc. Já cheguei a pensar coisas absurdas tipo “imagina se eu morro e alguém acha essas coisas”.

Este blog é a primeira coisa que eu faço que tanta gente lê. Só consegui porque comecei a divulgá-lo por um perfil de Facebook que não era o meu pessoal, era um fake também chamado Vulva Revolução — minha persona online feminista, de certa forma. Todos os blogs anteriores foram apagados e/ou mostrados pra um número restrito de pessoas. Sempre me senti muito insegura.

E escrever nesses tempos de internet é algo muito confuso. Sou bastante lida e debatida. Pra um blog independente que é tocado nas minhas horas vagas e que não tem dinheiro, anúncio ou compromisso com periodicidade, só posso comemorar o meu alcance e os textos que se tornaram virais e até hoje me trazem milhares e milhares de visitantes. Além disso, tive e terei textos de outros tipos publicados em outros projetos — tanto online quanto “físicos”. Só que nunca publiquei um livro, por exemplo. Nem escrevi com frequência em um jornal ou portal de forma não necessariamente jornalística.

Daí fica a dúvida: sou ou não sou uma escritora? Qual o limite que separa o ser do não ser?

Tem um pessoal da fotografia que reclama que hoje em dia todo mundo pode ser fotógrafo. Uma galera de várias outras profissões faz reclamações parecidas. As facilidades tecnológicas somadas ao alcance que a internet permite que as coisas tenham coloca qualquer pessoa mais próxima de ser uma FAZEDORA e não mais uma mera consumidora de produtos culturais alheios. Todo mundo pode fazer tudo (teoricamente, pois tecnologia e educação não são coisas democratizadas ainda), inclusive escrever. O tanto de blog, site e textão-no-face por aí nos mostra isso. Eu acho ótimo.

Ainda assim, não consigo responder a minha própria pergunta.

Só sei que é preciso fazer. Botar a cara no sol, mona, e mostrar o que está sendo feito. Demorei algum tempo pra me enxergar como capaz de produzir material interessante e/ou relevante (pelo menos dentro dos meus próprios conceitos), como FAZEDORA. Mesmo ciente das minhas capacidades (e todas as pessoas são capazes, realmente acredito nisso), uma voz interna constantemente me falava “você não vai conseguir”, “você é ridícula”. Isso é paralisante e domar essa voz é um sacrifício. Nós, mulheres, somos ensinadas a ficar caladas, quietas, inclusive no que diz respeito à produzir artística ou intelectualmente (muitas mulheres sequer possuem tempo para se desenvolverem nesses aspectos, já que, além da autoestima machucada, precisam trabalhar, cozinhar, cuidar de casa, filhos, maridos, irmãos, etc). Somos ensinadas a ser modestas quando obtemos sucesso com algo, a menosprezar nossos feitos. “Ah, faço umas coisas aí”, “escrevi um lance, mas nem ficou tão bom”, “tô tentando desenhar”, “acho que quero tirar umas fotos” e frases do tipo são comuns. A gente ás vezes nem deixa a outra pessoa interpretar o que a gente faz direito e já vai falando mal do nosso trabalho, numa humildade subserviente que só contribui para nos manter em um papel secundário dentro da sociedade. Usamos palavras que causam a impressão de descrença, incerteza e dúvida. Mas não é nossa culpa. Uma mulher que se comporte da mesma forma confiante que um homem logo é chamada de metida, escrota, prepotente e assim vai. E nem todas possuem paciência ou estutura emocional pra lidar com essas pedradas que muito cara que sempre teve espaço pra fazer merda e experimentar com muito mais tranquilidade categoriza como “frescura”.

Acredito que quem tem privilégio e poder quer se manter assim, logo, existe uma força que busca manter pessoas oprimidas em seu ~devido lugar~. Por isso muitas mulheres, pessoas negras em geral e outros grupos minoritários precisam provar milhões de vezes a mais que são bons em algo para conseguir algum espacinho — isso quando conseguem! Quantos rapazinhos branquinhos de classe média que fazem um trabalho mais ou menos e se consideram grandes artistas vocês já não viram por aí? Vamo combinar: vários, vários e vários. E eles nascem com tanta certeza de que foram feitos pra brilhar, que acabam convencendo muita gente, mesmo que só façam merda. Porque é cultural, eles já são a “cara” da arte, da cultura “superior” (bleeeeergh) e do sucesso.

Muitos homens tentam me “aconselhar” sobre como eles acham que eu devo tocar os meus projetos ou escrever no meu blog. A Grimes já falou sobre como muitos caras se ofereciam pra produzir os trabalhos dela, como se ela precisasse deles:

“Estou cansada de homens que não são profissionais ou nem mesmo músicos de sucesso continuamente me oferecendo ajuda (sem eu pedir), como se eu tivesse feito tudo que fiz por acidente e fosse cair sem eles, ou como se o fato de eu ser mulher me tornasse incapaz de usar tecnologia. Eu nunca vi esse tipo de coisa acontecer com meus colegas do sexo masculino” — tradução livre de um trecho desse texto que ela postou no Tumblr, em 2013.

     “He was just another man trying to teach me something”

Não vou dizer que não tenho conselheiros, porque eu tenho sim uma rede muito legal de homens e mulheres que me apoia, critica, opina e ajuda MUITO em várias coisas. Mas daí existe uma diferença enorme entre eu contar com minha rede de contatos e querer ajuda de qualquer homem que apareça pela minha frente com alguma dica furada que nunca funcionou sequer pra ele só porque ele quer se aproximar, elogiar, fazer parte mas é orgulhoso demais pra se “rebaixar” e assumir. Afinal, posso ser inteligente, mas ainda sou uma mulher, né?

E isso é um outro “problema” pra muita gente que me acompanha. “Ah, legal, milhares de acessos… Mas pena que a maioria é de mulher”. Já ouvi diferentes versões dessa frase várias vezes, vinda de homens e de mulheres também, infelizmente. Parece que existe um mito vigente de que mulher não tem discernimento, então a validação dela não importa. O que eu fizer só vai ser considerado bom de verdade quando rolar uma maioria de homens apoiando. Porém, a Vulva Revolução já diz no nome a que veio, não é mesmo? E é estranho como assunto de homens é universal, mas assunto de mulheres é “mimimi-coisa-de-mulher”. As vivências específicas de corpos do sexo feminino são negligenciadas, um reflexo da forma com que esses corpos são vistos: inferiores.

E tem aquelas pessoas chatas, que acham que você precisa ter lido x, y ou z (geralmente x, y ou z são todos machos brancos que vem sendo endeusados há anos, décadas, séculos) para ~ser alguém na noite~. Claro que muitas obras tidas como ~cânones~ possuem muito valor e são realmente incríveis, inteligentes, atemporais, surpreendentes (embora existam também as que são datadas, inúteis e cheias de preconceito, mas não se pode nem criticar porque, ohhh, é um clássico). No entanto, acredito que essa mania de endeusamento que a nossa sociedade tem contribui pra um cenário em que as pessoas ficam o tempo todo falando das mesmas coisas e marginalizando outras que podem ser sim muito interessantes. Tem discussão que me parece mais uma masturbação coletiva do que uma troca real de ideias.

O que quero com esse texto é incentivar outras mulheres a abandonarem a auto sabotagem. Não tô dizendo pra gente virar um bando de cuzona prepotente que nem milhares de caras por aí. Mas pra gente aprender a aceitar elogios, a destacar nossas qualidades, a estudar e se aprimorar mais e mais, cientes de que somos capazes e a lidar com os nossos defeitos e com a imperfeição de tudo que iremos produzir — nada é perfeito! Gostaria que a “cultura da inimiga” acabasse, e a gente começasse a se articular mais e mais com nossas colegas (eu tenho feito muito isso, é maravilhoso), porque produções coletivas ajudam muito no campo da visibilidade, motivação, força e qualidade. Divergências acontecem, mas isso nem sempre precisa ser um impeditivo para a união entre pessoas que querem fazer coisas parecidas.

E aproveitando o momento presente, me despeço.

Escrevendo bem e sem modéstia.

Faça o mesmo você também!

—–

Dica:

Recomendo a leitura do texto “A insustentável existência do outro”, que fala sobre mulheres escrevendo, especificamente em um ambiente literário. É muito interessante:

Pergunto então à Regina Dalcastagnè se houve alguma recepção negativa às conclusões de sua pesquisa sobre os “territórios contestados” da literatura brasileira contemporânea. Ela responde com outra questão: “De um modo geral ela foi recebida com muito interesse. Houve algumas leituras equivocadas, como se eu estivesse defendendo uma espécie de patrulha literária ou propondo um manual do romance politicamente correto. Então, alguns escritores e críticos reagiram, brandindo o valor ‘universal’ da literatura. Eu questiono essa ideia de valor universal, a ideia de que uma obra literária é algo fora do tempo e do espaço. Mas mesmo que aceitemos isso, fica a pergunta: por que esse ‘universal’ só é atingido em narrativas sobre intelectuais de classe média? Por que as mulheres pobres, negras, da periferia estão ausentes do ‘universal’?”

Em tempos de identidades manipuladas a favor de neoapartheids e do medo do outro, questionar o que é “universal” e a quem ele serve pode ser o começo de tudo. O elefante começa a se mover na sala de cristal, onde o senhor “universal” repousa inabalado. E para efeito da criação, é sempre bom escutar o barulho das coisas se quebrando.

Leia completo aqui.

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“Você pode me chamar de TERF, mas eu não sou transfóbica”

Mentira, não pode não. Mas esse é o título de um texto cuja tradução posto abaixo. Ele fala de um assunto um tanto quanto polêmico dentro do meio feminista virtual: as temidas ~TERFs~. Eu não me considero feminista radical, por me achar bastante leite com pêra, mas me alinho com diversas ideias que giram dentro desse movimento. O feminismo radical vai direto ao ponto quando se fala de patriarcado, violência contra a mulher, prostituição, pedofilia, pornografia, etc. Assuntos ainda urgentes – e ainda hoje negligenciados, mesmo por feministas. Não me apetece o malabarismo retórico que pode ser visto, algumas vezes, dentro do feminismo “mainstream”, feito com o intuito de preservar agentes de violência de culpa e de dissipar categorias em indivíduos, transformando certas ações em meras vontades individuais, ou certas violências em atos descolados de uma estrutura.

Me revolta a violência sofrida por pessoas transexuais. No entanto, pensar em como o conceito de transexualidade se insere dentro do meio feminista, especialmente quando falamos de mulheres transexuais, não significa desejar o mal para essas pessoas ou concordar com agressões. Até mesmo porque são os homens os principais personagens no que diz respeito ao extermínio e exploração de minorias.

Não colabore com a perseguição e o isolamento de mulheres, não subestime a inteligência alheia, não ache que misoginia é algo irrelevante. Debata, discuta, aprenda, ensine. Não jogue fora o conhecimento de outras mulheres. O feminismo agradece. Segue o texto:

Você pode me chamar de TERF, mas eu não sou transfóbica

Aviso: eu aceito que, assim como todo outro grupo no planeta, mulheres trans têm uma pluralidade de pontos de vista teóricos. Eu prezo que muitas são apoiadoras do movimento pela libertação de mulheres, e tenho amigas que o são e de quem ouço e aprendo diariamente. Esse artigo se refere aos pontos de vista dominantes no Twitter.

Quantas vezes por dia eu sou chamada de TERF? Muitas vezes para se contar. Quantas vezes eu vi “você é TERF, sua opinião é irrelevante”? Muitas vezes para se contar. Não vamos fingir que TERF é uma descrição objetiva de um ponto de vista teórico. É um insulto. Um termo abusivo cujo objetivo é minar, dispensar e apagar a voz de mulheres feministas radicais.

TERF é um acrônimo para “Trans Exclusionary Radical Feminists” (inglês para “Feministas Radicais Trans-Excludentes”). Mas o que isso significa? A ênfase é na exclusão – um ato intencional – e a implicação é que isso é baseado em preconceito e na discriminação propositada. Uma coisa ruim. Mas uma análise mais próxima expõe as falhas nessa definição. Excluídas de quê? Feminismo? Da situação de ser mulher? A análise do feminismo radical mantém que o feminismo é o movimento de mulheres para a liberação das mulheres da opressão, e que a realidade biológica feminina é um aspecto que define a experiência de opressão de uma mulher. Isso não exclui mulheres trans com base em preconceitos ou discriminação mais do que exclui homens. TERF também ofusca o fato que a vasta maioria de feministas radicais acredita que TODAS as pessoas deviam trabalhar juntas para acabar com a opressão das mulheres e que muitas acreditam que, uma vez que mulheres trans transicionam, elas experimentam tanto preconceito e discriminação quanto mulheres que nasceram mulheres experimentam. Na realidade, TERF é um termo sem significado baseado no desejo de silenciar a voz de feministas radicais. Em última análise, é misógino.

Então, por que não podemos nos dar bem?

1) Insultos, mentiras, silenciamento & demonização

Então, nós explicamos que toda vez que TERF é usado tem a intenção de insultar. Nós sabemos que você sabe disso. Não é um bom começo para um diálogo produtivo, né? Você pensaria que pessoas trans que se identificam como mulheres seriam compreensivas e abertas a mulheres analisando a opressão que elas enfrentam, mesmo que elas discordem. Ao invés disso, nós somos silenciadas. Uma mulher é designada como “RadFem” e tudo que ela diz não tem valor e ela não é bem-vinda em conversas. Como isso pode não ser interpretado como um espelho do comportamento de homens patriarcais que esperam nos silenciar?

Brincando, muitas RadFems começaram a usar o termo “radfemfobia”. Na verdade não é uma brincadeira. Radfems são constantemente expostas a preconceitos e fanatismos – ou seja, sendo ignoradas, excluídas ou anuladas só porque elas são sabidamente feministas radicais. Panelinhas são criadas só para se opor a elas. Mentiras são constantemente contadas e são prontamente aceitas pela multidão. Eu ainda não vi outro grupo enfrentar tanta hostilidade, tanto da parte de homens quanto da parte de outras mulheres.

A demonização vai tão longe que a narrativa aceita é que o propósito/motivação de feministas radicais é o de atacar mulheres trans. Mas a pista está no título. Feministas radicais querem acabar a opressão de mulheres, esse é o ÚNICO propósito ou motivação. Nós vemos a opressão das mulheres e trabalhamos fortemente para descobrir as ações necessárias a serem tomadas para contra-atacar essa opressão ou as crenças que sustentam a opressão. Novamente, você pode não concordar com a análise, mas interpretar de forma errada a motivação é tanto desonesto quanto manipulador. Mantendo que a análise existe para oprimir “você” diz mais sobre a sua auto-obsessão do que sobre o feminismo radical.

2) Gênero

Feministas radicais começaram a usar “gênero” na década de 1960 (antes disso, o termo raramente era usado). O propósito de distinguir sexo e gênero era para ilustrar “que a condição social de ser uma mulher ou ser um homem não é a mesma coisa que, e não segue “naturalmente”, a condição biológica de ser fêmea ou macho” (http://www.trouble.myzen.co.uk/?page_id=37). Note que isso não significa que homens podem se tornar mulheres e vice-versa. Isso significa que o papel social “mulher” é imposto como um resultado de uma pessoa ser fêmea, como Simone de Beauvior resumiu em sua citação “não se nasce mulher, torna-se”. Então mulher/fêmea e homem/macho são inseparáveis, apesar de que indivíduos esclarecidos e/ou empoderados podem conseguir jogar fora algumas das imposições sociais. Mas o que isso realmente significa é que “gênero” é uma hierarquia nos dizendo como nós “devíamos” nos comportar baseado no nosso sexo e, com todas as coisas “femininas” desvalorizadas, isso serve como a maior ferramenta do patriarcado para manter mulheres como subordinadas. 

Reivindicações de um cérebro, essência, sentimento ou identidade de gênero femininos são essencialistas. Elas apelam a uma ideia que existe uma “mulher” além de sua experiência de opressão baseada em seu sexo e isso confirma crenças patriarcais antiquíssimas de mulheres como “outras”. Este último, identidade de gênero, é frequentemente proposto como uma experiência subjetiva. Na realidade, é a proposição mais perigosa, porque negá-la é uma afronta à crença dominante no individualismo liberal. Mas um apelo à identidade de gênero depende fortemente em um preconceito do que significa se sentir como/ser uma mulher. Em que mais isso pode ser baseado além de influências culturais? Esse é o resultado de estereótipos e misoginia.

3) Essencialismo

Ao promover a transição – envolvendo operações ou não (excluindo aqueles que passam por distúrbio de disforia corporal) –, pessoas trans reafirmam a conexão entre gênero e sexo ao invés de subvertê-la. Revolucionário seria jogar fora as correntes do gênero e ser quem você quiser ser independente do corpo em que você se encontra.

Quando mulheres trans mudam o jeito que elas usam o seu cabelo, removem seus pelos, passam por cirurgias cosméticas, implantes mamários ou criam uma cavidade que elas chamam de “vagina”, estão reduzindo mulheres a seus corpos e as normas sociais impostas sobre esses corpos.

Ao insistir que elas são ou precisam se tornar mulheres, mulheres trans validam ideias arcaicas sobre o sexo feminino. É verdade que muitas mulheres também fazem essa função dentro do mundo, mas isso não nega o impacto. Querer acabar com a opressão feminina requer que se reconheça isso, assim como feministas radicais reconhecem. Muitas mulheres trans também buscam maneiras de expressar suas experiências de forma a não impactar mulheres negativamente. Isso pode ser feito.

4) Apagamento de mulheres

Mulheres têm sido oprimidas desde que temos registros, e com 54% da população mundial é a opressão mais difundida de todas. Nossas ancestrais lutaram durante o último século por todos os direitos e avanços que nós fizemos. Então quando nós ouvimos que direitos reprodutivos etc. não são problema de mulheres, isso machuca. Não só em um nível individual, mas o movimento em si. Isso coloca obstáculos enormes e incorretos numa trilha que ainda está longe de acabar.

Recentemente o nome do blog “Vagenda” e assuntos como menstruação foram rotulados como exclusionários e transfóbicos. Mulheres lutaram por séculos para não só terem uma voz, mas também terem direito de falar sobre assuntos que afetam fêmeas abertamente, sem serem vistas como desimportantes ou tabus. Uma pessoa muito mais sensível que eu disse “se 99.9% das pessoas são afetadas são mulheres, é bastante razoável chamar de uma questão feminina”. Essas são questões femininas. Essas são questões em que o movimento feminista *precisa* focar. Porque, se feministas não o fizerem, ninguém mais o fará. Esse é meio que o ponto do feminismo. Silenciar mulheres nessas questões, o que inclui excluí-las do discurso feminista, é misoginia.

Mulheres estão sendo silenciadas. O novo choro de transfobia só serve para nos atrasar, apagando todo o progresso que foi feito. As oprimidas, aquelas que são socializadas para acreditar que “todos os outros primeiro, por último eu” estão ouvindo isso de novo. E muitas delas estão comprando esse discurso. Pior ainda são mulheres que, falando sobre suas experiências como fêmeas e analisando sua opressão, são alvos de ataque enquanto os verdadeiros transfóbicos são ignorados. “Toda a transfobia que eu já vivenciei foi de TERFs”. Então você está sugerindo que feministas radicais são quem batem, estupram e matam mulheres trans? Não, eu pensei que não. Porque um pequeno grupo de mulheres com pouca ou nenhuma influência está sendo alvo de tal campanha?

Então. Para ser honesta, eu não ligo para como você vive a sua vida. Eu não ligo para como você quer se chamar ou para como você quer se vestir. Eu não ligo se alguns grupos ou espaços femininos te acolhem de braços abertos. Eu fico feliz de lutar ao seu lado pelos seus direitos legais, saúde e segurança apropriados, o que eu acho que todos os seres humanos merecem.

Onde eu começo a ter problemas é onde você nega discussões quando as necessidades e interesses de mulheres e mulheres trans se tornam conflitantes. Onde você me insulta e diz que suas necessidades importam acima de tudo. Onde suas palavras e crenças silenciam vozes de mulheres, apagam a realidade de mulheres e contribuem para a opressão de mulheres. O que, honestamente, como mulher trans ou feminista liberal, eu pensei que você entenderia.

Texto do blog A feminist roarsClique aqui para ler o original em inglês.

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Hello, world, I’m your wild girl!

Olá, pessoas. Sejam bem-vindas ao meu primeiro post! Por muito tempo pensei: “deveria este lindo blog chamar-se VULVAREVOLUÇÃO”? Tive medo de um mero trocadilho feito com o intuito de imprimir uma cara feminista à um espaço virtual de assuntos diversos (e com o objetivo de enaltecer a BUCETA também, why not?) ser interpretado de forma errônea. Algumas amigas disseram “uau”, um ex-namorado disse “eu não leria um treco com esse nome” e minha mãe achou esquisito, como acha todo o resto das coisas que eu faço. Sucesso!

Porém, tive medo também de estar sendo ~transfóbica~ ou algo do gênero, colocando a vulva como centro da representação da “mulheridade”. E pra fechar a lista, receei estar sendo boba, rasa ou hipersexual (não que eu ache que falar de vulva seja igual falar de sexo, MAS OLHA O MUNDO QUE A GENTE VIVE, NÉ). Ou sei lá. Já comentei brincando uma vez que ser mulher é ter medo e, putz, isso é bem verdade. Porque além dos perigos reais e concretos à que estamos expostas o tempo inteiro pelo simples fato de sermos mulheres, ainda existem as armadilhas mentais sabotadoras que desenvolvemos por conta de uma sociedade que nos diz que nunca somos boas o suficiente: “e se eu falar/fizer merda?”, “melhor ficar quieta”, “melhor me preservar”, etc. MAS ISSO TUDO PODE SER REVERTIDO! 🙂

Voltando a vulva (que vovó viu — brinks). Não sou apenas ela. E ser mulher não é apenas ter uma. Mas é também, é bastante, é muito. Quando eu era bebê, o médico olhou para minha vági e constatou: “é uma menina”. A partir daí, minha vida foi toda delineada em cima de um conceito compulsório sobre ~ser mulher~, baseado principalmente em construções socioculturais e características do meu corpo. Eu mal tinha chegado ao mundo e FURARAM MINHA ORELHA E COLOCARAM BRINCOS FÓFIS EM MIM, CARAMBA — a palhaçada já começou aí. Depois vieram as demonizações x santificações x pode x não pode… Ah! É um binarismo tão maluco (“seja santa, mas seja sexy”, “cozinhe bem, mas coma pouco”, e assim vai), de deixar qualquer uma desnorteada! Fora o estado constante de terror e pânico, onde uma rua vazia ou até mesmo nossas próprias casas podem se tornar palco de uma situação ruim, tanto por culpa de estranhos quanto de conhecidos. Entre milhões de outras coisas.

Logo, estou aqui para compartilhar um pouco da minha experiência enquanto eu & enquanto mulher, características praticamente impossíveis de serem desconectadas uma da outra nesse momento atual (HOJE CONTEMPORANEIDADE, digo), visto que meu eu foi todo construído em cima da mulher, com muita luta, muito desvio, muita porrada — e muito amor também. E eu precisava de um espaço para canalizar uns pensamentos, amadurecer umas ideias, escrever umas paradas, traduzir uns textos e, claro, dialogar com outras pessoas. Acho que é isso. Bjksssss.

"Pussy rings", da Grimes

“Pussy rings”, da Grimes