Ah, o verão… Estação do ano que é sinônimo de férias ou recesso para algumas pessoas. Cerca de três meses de calor e sol queimando a pele. Água, praia, banho de mangueira, passeios ao ar livre. Sorvete, picolé, chapéu, boné. Roupas leves e chinelo no pé. No entanto, basta o tempo começar a esquentar para que a encheção de saco comece a aumentar. No lugar de dicas de roupas frescas, receitas gostosas pra trocar, lugares legais pra ir ou gente maneira pra paquerar, a pauta geral passa a ser ~se cuidar~ ou ~se preparar~ para o verão.
E o foco do que é chamado de ~se cuidar~ ou ~se preparar~ geralmente consiste mais em perder peso do que beber bastante água, por exemplo. A mídia e a sociedade como um todo pressionam os indivíduos com o intuito de fazê-los acreditar que só podem aparecer em público de roupa de banho se estiverem magros e sarados. Essa pressão é principalmente direcionada às mulheres, mas nem os homens andam escapando. Dentro de uma lógica capitalista, tudo o que puder ser explorado para ser revertido em controle e consumo será aproveitado. Por isso, o chamado “mito da beleza” anda abrangendo cada vez mais grupos de pessoas. Tanto que existe SPA para crianças, adolescentes são induzidas a passarem por cirurgias estéticas cada vez mais cedo e é celebrado o fato de tratamentos estéticos para homens estarem em crescente ascensão – sendo que o ideal era que essas porcarias parassem de ser empurradas para pessoas de qualquer sexo.
De qualquer maneira, no final das contas são as mulheres as maiores prejudicadas pelos padrões, claro. O cabelo tem que ser sempre impecável. Se você for ficar uma semana na praia, é preciso de um monte de produtos para passar na cabeça antes e depois de entrar no mar. Não pode ter celulite, estria ou qualquer outra coisa completamente normal em um corpo do sexo feminino. Barriga, então? É quase um crime. Pelos são considerados sujos. Mas as bolinhas vermelhas ocasionadas pela depilação e contato com areia também não agradam. As unhas precisam estar feitas. O biquíni precisa estar de acordo com o tipo de corpo: se o peito é pequeno, use um sutiã com bojo, se o quadril é largo, vista algo que disfarce. Esse suposto equilíbrio é uma farsa que tem o intuito de nos enlouquecer.
“I am not as pretty as those girls in magazines”
Somos induzidas a acreditar que o nosso valor vem principalmente da aceitação da nossa aparência, dos elogios que nos qualificam como belas. Porém, os padrões são inalcançáveis justamente para ficarmos nessa corrida eterna, feito as armadilhas com cenouras e coelhos correndo atrás delas que vemos em desenhos animados. Quase nunca alcançaremos as cenouras, porque os padrões vigentes são excludentes, gordofóbicos, racistas, elitistas, etc. A maior parte das mulheres vai ficar de fora por algum motivo – ou por vários: é gorda, o cabelo é crespo, a bunda tem celulite, o dente é amarelo, as roupas não são de marca, as unhas são roídas, o nariz é grande, o peito tem estria, os dedos dos pés são peludos, os cílios são claros, os olhos são pequenos. Nossas características são categorizadas como defeitos. E uma onda geral de baixa autoestima, competição e rivalidade feminina é disseminada, impedindo que as mulheres fiquem em paz com elas mesmas e com as outras. Sem contar a naturalização de transtornos alimentares em prol do “corpo perfeito”. Não pulem refeições, por favor. Comida é amor.
Eu queria dizer uma coisa. Você existe para você mesma e não para agradar o olhar de quem está ao redor. Sei que é óbvio, mas é preciso que a gente leia e releia isso várias vezes até assimilar. O seu corpo é muito mais do que um objeto de desejo: é o que te transporta pra lá e pra cá e te permite passar por essa nave louca chamada vida. Não é fácil se desprender da necessidade de aceitação pela aparência – até porque a não aceitação se mostra, muitas vezes, de forma hostil e violenta. Mas podemos tentar olhar para nós mesmas e para as outras com mais amor, celebrando a pluralidade e acabando com a ideia de que características são defeitos. Somos muitas e não existe a possibilidade de nos encaixarmos no mesmo molde. Nossas histórias e características são diversas. Estética não é sinônimo de saúde. E a saúde alheia não é da nossa conta. E já que toquei no assunto ali em cima, posto abaixo um trecho super inspirador do livro “O mito da beleza – Como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres”, da Naomi Wolf (livro completo aqui):
Como as mulheres poderiam agir para além dos limites do mito da beleza? Quem saberia dizer? Talvez nós deixássemos nossos corpos engordar e emagrecer, apreciando as variações sobre o tema, e evitaríamos a dor porque, quando alguma coisa dói, ela começa a nos parecer feia. Quem sabe não passemos a nos enfeitar com verdadeiro prazer, com a impressão de estarmos adornando o que já é lindo. Talvez, quanto menor for a dor a que submetamos o nosso corpo, tanto mais bonito ele nos pareça. Talvez esqueçamos de levar estranhos a nos admirarem, e descubramos que isso não nos faz nenhuma falta. Talvez aguardemos o envelhecimento do nosso rosto com expectativa positiva e nos tornemos incapazes de considerar o nosso corpo um monte de imperfeições, já que não há nada em nós que não nos seja precioso. Pode ser que não queiramos mais ser a mulher do “depois”.
Por onde começar? Vamos perder a vergonha. Ser vorazes. Procurar o prazer. Evitar a dor. Vestir, tocar, beber e comer o que tivermos vontade. Ser tolerantes com as escolhas das outras mulheres. Perseguir o sexo que quisermos e lutar ferozmente contra o que não quisermos. Escolher as nossas próprias causas. E, depois de superarmos e transformarmos as regras de tal forma que o nosso sentido da beleza não possa ser abalado, vamos cantar essa beleza, embelezá-la, exibi-la e nos deleitar com ela. Numa política sensual, ser mulher é bonito.
Uma definição da beleza que tenha amor pelas mulheres supera o desespero com a brincadeira, o narcisismo com o amor a si mesmo, o despedaçamento com a inteireza, a ausência com a presença, a inércia com a animação. Ela admite que as pessoas sejam radiantes: que essa luz seja emitida pelo rosto e pelo corpo, em vez de ser uma luz dirigida para o corpo, ocultando o eu. Essa luz é sexy, variada e surpreendente. Seremos capazes de vê-la em outras mulheres sem medo e afinal poderemos vê-la em nós mesmas.
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Dica: O documentário a seguir, com 14 minutos, de duração, mostra brevemente como o monopólio de mídia – que precisa de retorno imediato – usa a idealização da mulher por meio de padrões de beleza e comportamento para gerar audiência e vender produtos. Grande parte das mulheres retratadas em revistas, jornais, programas de televisão, entre outros veículos, são loiras, altas, magras, heterossexuais e hipersexualizadas. O olhar masculino é o molde e a real diversidade que forma a população de mulheres brasileiras é apagada (vale notar, inclusive, que praticamente todas as entrevistadas que apontam essa falta de diversidade são brancas também, o que nos mostra que precisamos discutir sobre representatividade em todos os espaços, não apenas na mídia “tradicional”). Algumas saídas são apontadas, como um debate honesto em relação à democratização da mídia, que sempre é uma ação vista como “censura” e não como uma forma de tornar os produtos midiáticos um espelho que represente minimamente sua audiência.
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Leia também: “O envelhecimento da mulher como um fato incomum”
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