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POSTO, LOGO EXISTO

Se eu não postar, então não aconteceu? Estou te vendo, fala comigo. Se demorar muito, posso perder o interesse. Ou ficar obcecada e te googlar até encontrar fotos que você tirou durante uma viagem de férias em dois mil e sete. E sabe-se lá o que mais. O tempo anda muito acelerado, não temos paciência e nem concentração. Antes, um livro inteiro era devorado em um dia. Hoje, pulo de aba em aba, tentando ler ao menos metade dos textos que guardei para depois. Mas, a cada aba fechada, surgem outras dez abertas.

Alimentamos o presente com um senso de urgência causado por uma constância excessiva de informações. No entanto, não nos damos o tempo da digestão: todo-mundo-tem-que-ter-uma-opinião-sobre-tudo. Agora, neste exato instante. A presença online é um misto de marketing pessoal com doses amargas de autossabotagem. Jogamos The Sims com a nossa própria imagem. Quem sou eu, para além do meu avatar?

Notificações ativam o sistema de recompensa de nossos cérebros. Experimentos behavioristas, entretenimento ou construção coletiva de conhecimento? Like me, please. Pay attention to me. Tecnohedonistas em um panóptico virtual. Vigiar, punir, mandar nudes e ver uns gifs de gatinho. Novos formatos para antigos valores e a velha cooptação empresarial de sempre. A democracia continua a ser um sonho não colocado em prática. O seu desabafo não deixa de ser conteúdo gratuito. Passos mapeados, cliques monitorados e mentes controladas. Como é mesmo que se descobria as coisas antes de elas simplesmente aparecerem em nossas timelines?

Não quero instruções de uso e sim alguém que me ajude a montar. Dizer que faz não é fazer. Confirmar presença não é ir. Digitar dirigindo é vício? De qualquer maneira, deixa meu celular aqui embaixo do travesseiro. Gosto de dar olhadinhas nele antes de dormir e depois de acordar. De manhã, de tarde e de noite. Estamos livres e aprisionados. No que você está pensando agora?

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Este texto é a introdução do zine VULVA CONEXÃO, que lancei em junho de 2017 com o intuito de reunir algumas inquietações pessoais em relação a temas que envolvem principalmente capitalismo, machismo, seres humanos & a nossa querida rede mundial de computadores. Caso queira adquirir, ler na íntegra ou compartilhar os seus próprios pensamentos, deixe um comentário ou mande um email para vulvalarevolucion@gmail.com.

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“Pela Moral e os Bons Costumes”

Quem me acompanha sabe que não apenas sou uma grande entusiasta do cenário independente e autoral, mas também me movimento bastante dentro dele, seja frequentando, apoiando, colaborando, escrevendo sobre ou produzindo o meu próprio material. Desde a minha primeira publicação impressa feita enquanto Vulva Revolução, muitas outras surgiram – e ainda vão surgir.

Fui convidada para escrever o texto que apresenta a exposição da MOTIM – Mercado de Produção Independente deste ano, que traz o tema “Pela Moral e os Bons Costumes” e conta com ilustrações diversas, e resolvi compartilhá-lo aqui no blog. O evento acontece em Brasília e, junto com outras iniciativas (como a Feira Dente, que sou muito fã), tem movimentado bastante a produção independente local. Literatura, quadrinhos, fanzines, pôsteres, fine art e música: tudo é possível nesses espaços, onde o que circula surge de mentes e esforços desconectados de uma lógica convencional de mercado.

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Leia o texto, apareça na MOTIM e apoie artistas independentes – ah, e eu vou estar por lá com as minhas coisas, claro! Por mais diálogo e gente que faz, e menos obscurantismo, por favor.

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Para abrir a 4ª edição do MOTIM – Mercado de Produção Independente, a exposição “Pela Moral e os Bons Costumes” traz pôsteres ilustrados por artistas de todo o Brasil. As imagens evocam reflexões sobre o cenário atual do debate político no país, que entre choques e polarizações, anda aflorando bastante os ânimos de uns e outros. Por Deus e pela família, cidadãos e cidadãs de bem rasgam a roupa alheia para limpar as nódoas que mancham os próprios tapetes.

A sujeira que é varrida para os cantos, no entanto, não esconde a moral que acaba por suspender a ética – e se preocupa mais em controlar a individualidade alheia em prol de uma massificação de péssimas práticas disfarçadas de bons costumes. Enquanto problemas concretos se acumulam, secundarizados e sem resolução, o grito agudo do pânico social preenche lacunas com respostas rasas e reducionistas. Ressona alto, é verdade, mas se dissolve no esquecimento na mesma medida em que faz barulho.

Talvez por isso seja tão fácil reciclar slogans que, em uma sociedade que se diz democrática, há tempos deveriam estar enterrados. O autoritarismo de quem quer limar o discurso alheio na porrada é um filho legítimo de um período obscuro do Brasil. Durante a ditadura militar, aparatos de repressão buscavam eliminar as dissidências – fossem elas políticas, sexuais ou sociais – justamente ao defender a tal da moral e dos bons costumes, termos tão abstratos quanto arbitrários no modo em que são utilizados.

Instituições de séculos atrás e figuras de autoridade detentoras de recursos financeiros e poder estão, a todo o momento, tentando disseminar a ideia de que a maior preocupação que possuem é o bem-estar coletivo. Enquanto alistam forças para atuar na linha de frente do ódio e do vigilantismo, trabalham também na sofisticada engrenagem que tem o objetivo de manter o status quo intacto. Artistas são utilizados como bodes expiatórios e taxados de criminosos e canalhas por aqueles que verdadeiramente merecem tais adjetivos.

O mal é tido como uma entidade oculta em manifestações artísticas que descortinam camadas diversas do comportamento humano que, na realidade, merecem análises atentas. Em uma caça maniqueísta que precisa encontrar culpados imediatos, contextualizações são atropeladas por conclusões apressadas e literais que não alcançam subtextos. O deboche, o escracho, a diferença, o desvio ou a crítica, porém, permanecem assinalados – e quem apertar bem os olhos poderá enxergar que estamos todos enrolados na manta de um rei que está nu.

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8 de março: apagamento histórico

Flores, bombons, cursos de automaquiagem e homenagens que exaltam a beleza, a delicadeza e a generosidade feminina são coisas que começam a pipocar para todo lado assim que o calendário marca 8 de março, data celebrada como o Dia Internacional da Mulher. Observando superficialmente, parece tudo muito bonito e até bem-intencionado, afinal, precisamos presentear e enaltecer essas guerreiras que conseguem trabalhar fora, cuidar dos filhos, dos maridos e da casa, né? E elas fazem tudo isso de salto alto, ainda por cima! Que legal… Será?

É importante contextualizar que a data surgiu no início do século XX com o intuito de gerar reflexões sobre a luta de mulheres operárias que reivindicavam melhorias de vida por meio da garantia e expansão dos próprios direitos. Pouco antes desse período, trabalhadoras de fábricas têxteis, por exemplo, chegavam a passar até 16 horas por dia na labuta – e recebendo, muitas vezes, menos da metade do salário dos homens. A ideia da homenagem surgiu em 1910, a partir de uma sugestão da professora, jornalista e política alemã Clara Zetkin durante a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, na Dinamarca.

No entanto, o que acontece hoje em dia é um apagamento histórico desse cenário de luta em prol do consumo e da manutenção de valores que, há muitos anos, diversos grupos de mulheres tentam derrubar. O ato de entregar medalhas àquelas que aguentam jornadas triplas de trabalho e se submetem ao rigoroso padrão de beleza, por exemplo, é uma forma de naturalizar toda a pressão colocada nas costas femininas como algo aceitável e, até mesmo, positivo. Elogiar “boa aparência” e “bom comportamento” é o outro lado de quem xinga mães que frequentam festas; critica esposas que quiseram se divorciar de maridos violentos ao invés de aguentar tudo de forma altruísta, colocando uma relação ruim acima do próprio bem-estar; censura estudantes que denunciam abusos de colegas e professores; chama de “exagerada” a amiga que manifesta desconforto perante comentários machistas e assim vai. A “mulher de verdade” é a que come pouco, mas compra muito, fala quase nada, mas faz bastante coisa (pelos outros, principalmente). Essa sim é celebrada. Mas ela existe?

Plantar a insegurança feminina e depois vender a solução para a vida das mulheres por meio de produtos estéticos e domésticos é a solução perfeita… Para o bolso das empresas. Pra que falar de “coisas chatas”, como divisão de tarefas do lar? Vamos vender aparatos que facilitam a vida da “dona de casa” (e, na verdade, acabam virando mais louça para ela lavar e mais entulho guardado na cozinha). Pra que falar de melhorias nas condições de emprego para mulheres? Isso só vai colocar mais coisa na cabeça dessas empregadas “folgadas” que, vejam só, têm a coragem de querer a própria carteira de trabalho assinada!

O incentivo ao consumo desenfreado e a homenagem genérica e vazia de sentido que a cooptação do 8 de março propõe não cria apenas um nicho muito lucrativo, mas funciona também como estratégia de marketing empresarial ou pessoal para quem quer fingir preocupação com mulheres sem precisar fazer nada que realmente mexa nas estruturas que emperram a vida delas. Chefes, filhos, maridos, pais, irmãos, netos e amigos podem expiar toda a culpa de serem negligentes ou sobrecarregarem as mulheres que convivem com o simples ato de depositar dinheiro em um objeto que represente a importância e o valor da homenageada. Dessa maneira, ações que dependem também de todos aqueles que estão ao redor da mulher saem de cena à francesa. Reflexões e mudanças de atitude não são consideradas tendências porque não são comportamentos vendáveis – e ainda flertam com terrenos perigosos, como o despertar coletivo de consciências.

Texto publicado originalmente na coluna ‘Água & Óleo’ da Revista Traços, na edição de março de 2016. Por conta da limitação de caracteres, o foco foi no apagamento geral e na cooptação mercadológica do dia. No entanto, existem outros aspectos importantes a serem abordados quando se aprofunda no tema, como a historicidade da data (antes Dia da Mulher Trabalhadora), ou a questão das mulheres negras e o trabalho forçado, que acaba naturalizado em seu esquecimento (na mesma coluna e mesma edição, a militante negra e feminista Dalila Fernandes escreveu sobre isso), entre outros. 

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Sobre o processo de se transformar em uma publicação impressa

Queria ter escrito este post aqui há mais tempo, porém, ando vivendo uma deliciosa bagunça nômade que me faz morar oficialmente em uma cidade e estudar em outra. Tenho me dividido entre milhares de coisas pra fazer e preocupações excessivas (oi, ansiedade). Além disso, quase assassinei o meu computador pela segunda vez, derramando água de coco nele (a primeira foi quando tive a brilhante ideia de limpar o teclado com lenços umedecidos). Andei também viajando para lugares fora da minha rota, uma das viagens como parte de um lindo projeto educativo e a outra de férias mesmo. E etc, etc e etc. Conto tudo isso apenas para justificar meu sumiço, pois com certeza o que listo aqui não me traz muitos motivos para reclamar (tirando a ansiedade e o computador molhado).

Agora que finalmente parei para sacudir a poeira do blog (estava com saudade), trago boas notícias: realizei um financiamento coletivo entre abril e maio deste ano com o intuito de arrecadar dinheiro para imprimir uma publicação independente. Felizmente, deu tudo certo e, por isso, o conteúdo da Vulva Revolução passou a ser algo que existe também no papel – é um zine! Como sou fruto dos rolês alternativos e do do-it-yourself, essa foi a linguagem que conheço e decidi utilizar para reunir parte do material escrito por aqui até hoje. E essa foi a maneira que escolhi para dizer que sou uma autora capaz de escrever em diversas plataformas. E, não vou mentir, é mais barato e fácil de produzir do que um livro, heh (que é algo que também está nos meus planos). Mas não quero, com esse comentário, criar nenhuma hierarquia, cada coisa tem sua estética, seu espaço, sua importância e sua razão de ser.

A ideia de fazer uma publicação a partir de textos aqui do blog era alimentada desde o ano passado. Sempre gostei muito de livros, revistas, zines, folhetos e afins. Ouvir o barulho de páginas virando, analisar formatos e o tipo de papel, bem como a beleza ou estranheza das imagens é muito agradável, não é mesmo? A experiência impressa é um romance em si mesma. E, além do mais, o que está no papel me parece ter um tipo de circulação diferente do material online – agora participo de mais eventos, faço vendas & trocas, conheço várias pessoas ao vivo e estou chegando em novos lugares.

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Vários zines, oba!

Claro que a internet tem o seu posto essencial de principal divulgadora das minhas ideias – e é o meu habitat. E ela e o papel são meios diferentes, mas que não se anulam. No entanto, o que está impresso ainda me parece, de alguma forma, mais respeitado como “conteúdo de verdade”. É o que te chancela como alguém que realmente produz – principalmente quando o seu principal veículo é um blog totalmente independente. Isso tudo pode até estar mudando, estamos começando a criar o hábito de ler em outros meios (eu mesma já sou adepta do Kindle faz muitos anos), mas minha experiência me mostra um interesse diferente por parte do público em geral quando você começa a organizar o seu próprio material no papel – mas não sei se um e-book ou algo assim causaria o mesmo tipo de reação. São muitas possibilidades, temos muito a pensar.

Planejei tudo sozinha, mas contei com o apoio de várias pessoas durante o processo de nascimento do zine (que teve um protótipo com uma tiragem de 20 unidades realizada no ano passado). Um amigo fez o vídeo para o site do crowdfunding, por exemplo, e mulheres com as quais possuo diferentes graus de proximidade (mas admiro o trabalho de todas) colaboraram com as ilustrações presentes na publicação (e com um dos textos exclusivos), tornando-a coletiva e plural. Aprendi ainda mais sobre as diferentes etapas intelectuais e burocráticas de se produzir algo no papel, o que não é novidade pra mim, por conta da minha profissão e de produções anteriores, mas que foi mais intenso por ser um projeto pessoal cuja existência se deu, inicialmente, por conta do meu próprio interesse. Foi um exercício de aprender a dizer internamente, e para os outros: “o que eu faço importa” e “se eu quero fazer, importa”. Os feedbacks que recebo ajudaram, pois são várias as mulheres que afirmam se sentir contempladas com meus questionamentos (que bom, pois essa é a intenção). E elaborei uma linha narrativa que orientasse o material de modo coerente, editei os textos do blog para o formato impresso, diagramei o zine, fiz orçamentos e pedidos das recompensas prometidas no financiamento coletivo (camisetas, bottons e adesivos), entre outras coisas.

Não vou mentir, fiquei bastante orgulhosa de mim mesma, ainda que uma ou outra pessoa pessimista tenha cruzado o meu caminho com frases como “é só um zine” ou “é só um blog”. Sempre vai aparecer alguém projetando as próprias frustrações no que a gente está fazendo, colocando o foco em pequenos detalhes e não no todo. Deu trabalho e atrasei algumas entregas, pois precisei de mais tempo do que esperava para terminar algumas coisas, mas valeu muito a pena.

No meio disso tudo, fiz um curso de Produção Gráfica com a Aline Valli, que era da Cosac Naify, e foi bom para aprender mais sobre aspectos práticos e estéticos de uma publicação impressa. Mesmo que o meu interesse principal seja a escrita, achei legal ter mais noção de todos os processos que envolvem a realização de um livro – ou de qualquer outro material do tipo. E uma das aulas foi justo no último dia de existência da Cosac, o que deixou a professora bem emocionada. Não fiz o curso por causa do zine, mas pelo interesse geral na área mesmo – tenho um crush no meio editorial como um todo. Só que acabou sendo útil, lógico. Conhecimento nunca é demais.

Acompanhar um financiamento coletivo é bastante agoniante – ainda mais quando você é uma pessoa ansiosa. Isso que o meu nem era assim tão difícil de alcançar, imagina os que contam com uma grana alta? Meu coração não aguentaria. É importante assistir os vídeos e recomendações desses sites de crowndfunding – graças a eles, consegui tirar várias dúvidas e fazer prospecções de metas – e conversar com outras pessoas que já passaram pelo processo (isso me ajudou a aprender bastante com erros e acertos de colegas). Uma divulgação constante é essencial, bem como uma boa comunicação com veículos grandes que se comuniquem com o seu público-alvo. Contei com a ajuda de alguns blogs, sites e páginas, e até mesmo parceria com festa famosinha de Brasília eu fiz, o que não gerou o retorno financeiro esperado, mas foi uma noite muito divertida e que também ajudou na divulgação.

O zine foi lançado oficialmente em Brasília, Rio de Janeiro e Belém e a tiragem inicial foi de 500 unidades. Alguns foram doados para mulheres que realizam projetos que se relacionam com feminismo, educação e afins (tive notícias de alguns sendo utilizados em oficinas de educação e gênero para jovens e adultos, e me emocionei). Paralelamente a isso, várias outras coisas foram e estão sendo feitas, algumas delas pretendo contar por aqui assim que tiver tempo (e ânimo) de novo. São muitas novidades, pensamentos, ideias, mas também muito cansaço e falta de energia, em alguns momentos. De vez em quando, essa era atual faz a gente se sentir sempre a correr sem saber muito bem para onde ir, não é? Tipo, me pego fazendo um monte de coisa e achando que não estou fazendo nada pois esse monte de coisa ainda não é necessariamente aquela idealização da minha cabeça de coisas que imagino que “deveria” estar fazendo. Confuso, eu sei.

Por isso, parei aqui para respirar e relatar esse processo. Meu intuito foi, de certa forma, prestar contas a todo mundo que me apoiou, além de incentivar outras mulheres a tocarem seus projetos e a encararem o que fazem como algo importante – não importa se a sua vibe é escrita, desenho, crochê, pintura, matemática, gastronomia ou games. Nem se é algo para um público grande ou pequeno – até porque isso varia com o tempo. O que importa é a gente existir e falar sobre a nossa realidade, desenvolver competências artísticas, criativas, intelectuais, ganhar experiências e estreitar laços umas com as outras. Gosto muito de assistir ou ler sobre processos alheios – de pequenos quadrinistas independentes a fotógrafos com fama mundial, sei lá  – e essa foi a minha contribuição para quem tem o mesmo tipo de interesse. Como escrevi em muitos dos bilhetinhos que enviei para vários lugares do Brasil, junto com os zines e as recompensas adquiridas: juntas somos mais!

Tem Vulva Revolução no FacebookTwitter e Instagram também, viu?

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VULVA LA REVOLUCIÓN!

Eu já pretendia falar sobre o VULVA LA REVOLUCIÓN! por aqui, mas a correria da vida acabou atrasando um pouco esse post. Muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, gente… No entanto, aqui estou, pronta pra contar como foi esse lindo dia. Pra quem não sabe, o VULVA LA REVOLUCIÓN! foi um encontro que rolou 26 de setembro e surgiu com o intuito de estreitar laços entre mulheres e celebrar o primeiro ano de existência aqui do blog – e também a nova e exclusiva identidade visual, criada pela artista brasiliense Nana Bittencourt, que foi também a responsável pela arte do evento. Ela é uma mina muito cuidadosa e talentosa em tudo o que faz, com uma sensibilidade incrível.

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O Espaço Criaticidade – um lugar novo em Brasília (DF), que nasceu com o objetivo de movimentar a cena independente local de artistas & arteiros – foi o escolhido para abrigar uma tarde de feirinha, bebidas, músicas, rodas de conversa, jogos e muito, muito amor femininja. Aproveitei a ocasião para recolher roupas e produtos de higiene pessoal para a Casa Abrigo do DF, e livros para entregar para a galera do Slam das Minas, que realizou atividades relacionadas à literatura e poesia na Colmeia, presídio feminino do DF. Muitas doações foram recebidas! Já entreguei os livros, e essa semana entrego o que vai para a Casa Abrigo.

Tinha algum tempo que eu queria fazer algo do tipo. Porém, quem já produziu qualquer tipo de evento sabe o trabalho que dá: durante o VULVA LA REVOLUCIÓN! foi preciso cuidar de divulgação, decoração, entrar em contato com as mulheres dispostas a participar da feirinha, realizar inscrições para as rodas de conversa, comprar materiais para preparar as atividades propostas, montar os jogos, elaborar playlists de música, conseguir som, conversar com umas pessoas ao vivo, ligar para outras, olhar mensagem no celular, nas redes sociais, responder perguntas, analisar gastos, tirar fotos, entre outras milhões de coisas. E um evento independente & feminista, nossa, é ainda mais difícil. Porque não tem fim lucrativo e nem apelo comercial, sexualizado, VIP, drinks, balada, noite, hype, etc.

De qualquer forma, deu tudo certo. Primeiro, porque já trabalhei com produção – e já produzi coisas minhas antes, como a festa ¡LAS LOCAS!, que coloca minas no front na produção, discotecagem, fotografia e músicas selecionadas. E segundo porque sou rodeada de amigas e amigos maravilhosos, que me ajudaram muito e se envolveram no processo de forma bastante ativa e interessada, respeitando e entendendo minha proposta (aliás, muito obrigada, amo vocês).

Rolaram duas rodas de conversa. A primeira foi “Ecofeminismo, saúde e menstruação”, que teve Ariadne Hamamoto como guia (a outra mediadora infelizmente ficou doente e não conseguiu ir). Ela é estudante de design na Universidade de Brasília (UnB), manja muito sobre ciclo menstrual, trabalha com encadernação e desenvolve o projeto Diário da Lua Vermelha (ou Diário Lunar-Menstrual), que serve pra gente registrar e acompanhar nosso ciclo menstrual e o ciclo da lua. A partir de anotações relacionadas às mudanças físicas, emocionais, mentais e energéticas do corpo, fica mais fácil perceber as quatro fases desse ciclo — a menstruação, a pré-ovulação, a ovulação e a pré-menstruação. “Nascemos em uma cultura que é baseada em ciclos solares e masculinos, que menospreza os ciclos femininos e lunares. O resgate da conexão com o ciclo menstrual é o resgate do poder feminino, é empoderamento sobre nosso corpo e nossa fertilidade, é honrar e fortalecer a nós mesmas e a todas as mulheres”, segundo as próprias palavras de Ariadne.

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Mulherada reunida ❤

A segunda roda, “Conversa sobre museus e feminismo”, foi orientada por Laurem Crossetti, que é daqui de Brasília mas atualmente mora em Portugal. Ela é formada em Artes Visuais pela UnB e é especialista em Arte e Cultura, mestre em Estudos Curatoriais e atualmente desenvolve pesquisa de doutorado na Universidade do Porto. Laurem é também uma das idealizadoras do projeto Nós e o mundo, que reúne arte e literatura do Brasil e de Portugal (tem texto meu na série de cartões postais editada por eles, aliás. Entrem na lojinha do site pra ver – e comprar, heh). A conversa teve como base a seguinte pergunta: quais relações podem existir entre os museus e o feminismo?

Confesso que, embora os temas fossem muito atraentes, fiquei com medo de deixar minhas convidadas falando sozinhas. Será que as pessoas iriam querer bater papo no sábado ao invés de ficar em casa de pernas pro ar? Ainda mais com o calor que estava (e ainda está, socorro) fazendo em Brasília… Fui recebendo diversas inscrições por e-mail e me tranquilizando e, no dia, tudo correu bem. Ufa! Mulheres maravilhosas apareceram para contribuir e trocar ideia. Foi bonito demais, sério, fiquei emocionada. Na primeira roda, compartilhamos informações sobre nosso corpo, ciclo, saúde física e psicológica, anseios, angústias, felicidades, tristezas… Já na segunda, falamos de aspectos mais amplos, relacionados à representatividade, espaço e voz no mundo das artes.

Ambas montaram banquinha no evento, que contou também com a participação de mulheres dos quadrinhos, artes plásticas, cinema e artesanatos diversos. Tinha também gente vendendo coletor menstrual, docinho, tatuagem removível, adesivos e imãs com imagens feministas, etc. O foco principal foi no que é único, artístico, criativo e independente, porque apoiar o que é feito localmente é apoiar a economia local. E apoiar as mina é fortalecer as mina! Tive a oportunidade de conhecer não só um monte de gente legal, como também um monte de trabalho maneiro (nota mental: um dia preciso fazer uma compilação de trabalhos interessantes realizados por mulheres para divulgar aqui, a cada dia descubro algo novo). Até hoje tem gente entrando em contato comigo para mostrar ações, trabalhos, pedir sugestões, indicações… Aliás, o som do evento foi bem elogiado e acho que vou até tirar a poeira do meu perfil no 8tracks.

Durante o VULVA LA REVOLUCIÓN! rolaram brincadeiras também. Fizemos a PEPEKA MALUKA, uma vagina gigante com um buraquinho, pra acertar bolinhas coloridas dentro (a criançada adorou), e uma piñata literalmente escrota, para liberar as tensões causadas pelo sistema patriarcal, rsrs. QUEM NUNCA QUIS BATER EM UM SACO ESCROTAL COM UM TACO DE MADEIRA QUE ATIRE A PRIMEIRA PEDRA11!

PPK

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Em uma breve troca de e-mail com a galera da Universidade Livre Feminista, recebi uma dica importante: faltam relatos e sistematizações de experiências que incentivem atividades semelhantes. Por isso estou fazendo esse post aqui, ainda que uma semana depois do evento. Porque quero que mulheres & garotas que me leem saibam que é mais possível e viável do que parece organizar atividades coletivas e presenciais. Dá trabalho, mas vale a pena e é super divertido e enriquecedor. Mesmo nos meios alternativos ainda é raro termos a nossa voz colocada em primeiro lugar, até mesmo esses espaços acabam nos usando como isca, produto ou objeto de decoração. Então é muito importante que a gente se reúna e saiba o que a outra está fazendo, pensando, sentindo. Dessa forma, construímos redes de apoio, amizade e divulgação que passam a correr fora dos meios de ~broderagem~ e necessidade de aprovação masculina. E, olha, só posso dizer que a sensação de ver essas redes surgindo é tipo respirar ar fresco na praia depois de tanto tempo sufocada dentro de um quarto abafado.

Mas, para isso, é preciso também que a gente abandone vícios da socialização feminina, como a rivalidade e a implicância. Isso não significa todas nós temos que nos tornar melhores-amigas-para-sempre, e sim que precisamos começar a enxergar umas as outras com respeito e como seres humanas criativas, fazedoras e capazes, e não como “ain, aquela vaca que beijou o meu namorado em 1997” ou “a mina que usa o cabelo de um jeito estranho” ou “aquela que é metida pra caralho”, sei lá. Deixem os estereótipos rasos para as pessoas rasas, só o regime machista em que vivemos ganha com mulheres desunidas. O isolamento nos aliena de nossa própria condição de isoladas – e confinadas, vigiadas e controladas.

Se reunir fora da internet é fundamental. Não adianta só falar de representatividade, a gente precisa é construir essa representatividade nos espaços presenciais (e é ali, no olho no olho, que você vai descobrindo com quem pode contar). Ainda que um pequeno encontro possa parecer algo muito irrelevante, imaginem o peso de milhares de minas realizando pequenos encontros. Eu era apenas uma adolescente na primeira vez em que fui em um rolê de mulheres ouvir sobre assuntos específicos de nossas vivências e isso abriu muito os meus olhos. Eventos de certa forma pequenos, não em importância, mas talvez em alcance, causaram grandes mudanças em mim. Infelizmente já aconteceu de macho vir me dizer “ah, mas é só uma festa” ou “é só um rolê” quando o assunto era esse tipo de evento, mas eles não sabem o que é passar a vida inteira tendo que aturar o ponto de vista deles sobre nós até mesmo em lugares onde as coisas supostamente deveriam ser diferentes. FáCiL FaLaR, DiFíCiL SeR eU, ok? A vibe do VULVA LA REVOLUCIÓN! foi muito leve, agradável e acolhedora, graças a todo mundo que participou. Valeu demais, galera.

Mais fotos aqui.

Além de Facebook e Twitter, a Vulva Revolução agora também tem Instagram! 🙂