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Cartas de amor de três mulheres notáveis da história

No livro Cartas de Amor de Mulheres Notáveis, a inglesa Ursula Doyle reuniu mensagens românticas enviadas por importantes figuras femininas da história mundial. A publicação, que busca mostrar o que sentiam e pensavam algumas mulheres de séculos atrás, é uma resposta ao best seller lançado anteriormente pela mesma organizadora, o Cartas de Amor de Homens Notáveis. Nos dias de hoje tal forma de comunicação perdeu um pouco o espaço para a interação instantânea promovida pelas tecnologias atuais. Mas a ideia de enviar ou receber uma carta de amor não deixa de ser algo que ainda guarda muito charme e beleza, não é mesmo?

Na obra mais recente, Ursula encontrou algumas curiosidades. Enquanto as cartas masculinas variavam de estilo, sentimento e até mesmo sinceridade, visto que alguns homens escreviam de olho na posteridade ou usavam a prática como um exercício para demonstrar o próprio gênio criativo, as mulheres tinham mais prudência nas próprias palavras. Isso não significa que elas fossem necessariamente mais francas, embora aparentassem, sim, mais profundidade. Além disso, é inquestionável que o destino de muitas era definido pelo casamento e isso gerava angústias e reflexões fortes tanto nas que seguiam o curso natural do que era esperado por uma mulher quanto nas que avidamente desafiavam as convenções sociais.

Os homens notáveis enxergavam o “objeto de amor” como mais um aspecto da vida, entre tantos outros. A paixão nem sempre era o centro. Eles possuíam espaço e incentivo para obter realizações em outras esferas, como ciência, política, arte e afins. A notabilidade de muitas mulheres da coletânea, no entanto, está relacionada com os homens que elas se envolveram. Muitas cartas só foram preservadas, nas palavras da organizadora, “graças à ligação das autoras com seus ilustres cônjuges ou descendentes.”

De qualquer modo, o legado de muitas significativas figuras do sexo feminino se perpetuou, mesmo com todas as adversidades que foram encontradas pelo caminho. Vamos espiar um pouco os profundos sentimentos que invadiram o coração dessas mulheres. O amor é algo intenso, mas diverso — e, como afirma Ursula, pode assumir formatos variados: indulgente, equivocado, ambíguo, ambicioso, erótico, casto, alucinado e muitos outros. Confiram:

Mary Wollstonecraft (1759–1797)

A escritora inglesa Mary Wollstonecraft é conhecida como uma das “fundadoras” do movimento feminista como se conhece atualmente. Percursora em perceber e falar sobre as diferenças de gênero, ela escreveu a Reivindicação dos Direitos das Mulheres, por exemplo, como uma resposta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão dos revolucionários franceses. Paralelamente à uma prolífica carreira literária, caminhou uma conturbada vida amorosa, que envolveu uma tentativa frustrada de ménage à trois com um pintor bissexual e a esposa dele e uma paixão por Gilbert Imlay, um capitão e empresário norte-americano notório por ser um conquistador infiel e que machucava corações.

Em 1797, a escritora se casou com o filósofo político e novelista William Godwin e o que se sabe é que era um amor mútuo, profundo e mais tranquilo que o anterior. Em agosto do mesmo ano, nasceu Mary Wollstonecraft Godwin, que futuramente tornou-se Mary Shelley (ela mesma, a criadora do clássico Frankenstein) e a mãe infelizmente acabou falecendo pouco após o nascimento por conta de uma febre puerperal.

Mary Wollstonecraft

Foi escolhido um trecho de uma carta para Imlay com o intuito de mostrar que a angústia de amar um homem ausente passa, ah, se passa — e abre espaço para novas paixões:

Para Gibert Imlay

Paris, sexta-feira pela manhã, 1793

(…) Agora a recordação prende meu coração a ti; mas não à tua personalidade ambiciosa, embora não possa ficar seriamente insatisfeita com um esforço que faz crescer minha admiração, ou isso seria o que eu deveria esperar do teu caráter. Não, tenho diante de mim tua expressão honesta — relaxada pela ternura, um pouco ferida por meus caprichos, e teus olhos brilhando de aprovação. Então, teus lábios são mais macios do que a própria maciez, e eu apoio o meu rosto contra o teu, esquecendo o mundo inteiro. Não deixei fora da imagem as cores do amor — o brilho rosado; e creio que a fantasia cobriu dessa tonalidade minha própria face, pois sinto que ela queima, enquanto oscila em meus olhos uma lágrima deliciosa que seria toda tua se uma emoção agradecida dirigida ao Pai da natureza, que assim me despertou para a felicidade, não tivesse dado mais calor ao sentimento compartilhado. Preciso fazer uma pausa por um momento.

Preciso dizer-te que estou tranquila após escrever-te essas palavras? Não sei porque, tenho mais confiança em tua afeição quando estás ausente do que na tua presença; não, penso que deves me amar, pois, com a sinceridade do meu coração, deixa que eu diga, acredito merecer tua ternura porque sou fiel e tenho um grau de sensibilidade que podes ver e saborear.

Sinceramente, Mary.

Emily Dickinson (1830–1886)

Emily Dickinson (IanDagnall Computing/Alamy Stock Photo)

Considerada uma das maiores poetas do século XIX, Emily Dickinson foi uma figura misteriosa que, ao longo da vida, passou a se isolar gradualmente da sociedade — menos da família. A vida de reclusão gerou uma produção intensa, que envolve mais de 1800 poemas. Contudo, uma amizade profunda foi alimentada desde a infância com Susan Gilbert, que Emily conheceu ainda no período escolar.

Mais de trezentas cartas foram escritas para Susan! Embora algumas pessoas enxerguem a prosa florida e intensa trocada entre ambas como algo comum da época, muitos especialistas acreditam que Emily foi apaixonada por Susan — que acabou se tornando cunhada da autora ao casar com o irmão dela e entrar em um matrimônio tido como bem infeliz. De qualquer modo, Emily fez juras de amor verdadeiro à “amiga” diversas vezes. Isso não se faz a qualquer pessoa, não acham? Logo, apreciem um trecho de uma das correspondências trocadas entre elas e tirem suas próprias conclusões:

Para Susan Gilbert (Dickinson), 6 de fevereiro de 1852

Deixarás que eu venha, querida Susie — assim como estou, com o vestido sujo e gasto, meu grande e velho avental e meu cabelo — oh, Susie, o tempo é curto para uma descrição detalhada da minha aparência, porém eu te amo tanto quanto se estivesse bem-cuidada, portanto não te importarás, não é mesmo? Estou tão feliz, querida Susie — que nossos corações estejam sempre limpos, sempre bem cuidados e adoráveis, de modo a não causar vergonha. Esta manhã estive mergulhada no trabalho e deveria estar trabalhando agora, mas não posso negar a mim mesma o prazer de ter um minuto ou dois contigo.

(…) Oh, minha querida, há quanto tempo estás longe de mim, como estou cansada de esperar e procurar e chamar por ti; ás vezes, fecho os olhos e fecho meu coração para ti e me esforço muito por esquecer-te, porque me causas tanta dor, mas nunca irás embora, oh, nunca irás — diz-me, Susie, promete mais uma vez, e eu irei sorrir de leve — e tomar novamente a minha pequena cruz de triste — triste separação. Como parece inútil escrever quando se sabe como sentir — como é muito melhor estar sentada a teu lado, falar contigo, ouvir as inflexões da tua voz; é tão difícil “negar a si mesmo, pegar a cruz e seguir” — dá-me forças, Susie, escreve-me palavras de esperança e amor e de corações que resistiram e grande foi para eles a recompensa do “nosso Pai que está nos Céus”.

(…) Amor sempre, e para sempre, e verdadeiro! Emily.

George Sand (1804–1876)

George Sand

Amandine Aurore Lucile Dupin nasceu em uma rica família da França. Casou-se aos 19 anos. Aos 27, insatisfeita com a relação, deixou o marido e os dois filhos no interior em que moravam e foi para Paris. Na cidade luz, passou a conviver com um grupo de escritores. Em 1832, publicou Indiana, seu primeiro romance, sob o pseudônimo George Sand. O livro criticava desigualdades da lei francesa que regulavam o casamento e clamava por igualdade e educação para mulheres — ousada para a época, hein?

A autora, inclusive, possuía hábitos escandalosos para o período em que esteve ativa: usava roupas masculinas, fumava e tinha muitos amantes, por exemplo. Romances, peças e ensaios foram produzidos aos montes, criando uma aura atraente ao redor de George, que ao mesmo tempo era rechaçada pelas crenças e estilo de vida que possuía. Entre os famosos casos de amor que experimentou, estão um envolvimento com o poeta Alfred de Musset e uma poderosa paixão pelo médico veneziano Pietro Pagello — mas o relacionamento com ele durou bem pouquinho. A carta a seguir, no entanto, mostra uma reflexão profunda e válida até mesmo nos dias atuais:

Para Pietro Pagello

Veneza, 10 de julho de 1834

Nascemos sob céus diferentes e não temos os mesmos pensamentos ou o mesmo idioma — será que teremos corações semelhantes?

O clima suave e enevoado de onde venho dotou-me de sentimentos brandos e melancólicos; com que paixões terás sido agraciado pelo sol generoso que bronzeia tua face? Sei como amar e como sofrer; e tu, o que sabes do amor?

O ardor de teus olhares, o violento amplexo dos teus braços, o fervor do teu desejo são para mim tentações e motivos de temor. Não sei se devo combater tua paixão ou compartilhá-la. Não se ama dessa forma em meu país; a teu lado sou apenas uma estátua pálida que te olha com desejo, com perturbação, com espanto. Não sei e nunca saberei se de fato me amas. Mal conheces algumas palavras de meu idioma, e eu não conheço palavras suficientes do teu para tratar dessas questões sutis.

(…) Talvez tenhas sido criado com a ideia de que as mulheres não têm alma. Acha que elas a têm? Não és cristão ou muçulmano? Civilizado ou bárbaro — és um homem? O que existe nesse peito masculino, por trás dessa fronte soberba, desses olhos leoninos? Alguma vez tens um pensamento mais nobre, mais refinado, um sentimento fraternal? Quando dormes, sonhas que estás voando em direção ao céu? Quando os homens te prejudicam, ainda confias em Deus? Serei tua companheira ou tua escrava? Tu me desejas ou me amas? Quando tua paixão for satisfeita, tu me agradecerás? Quando eu te fizer feliz, saberás como dizer isso?

(…) Quando me olhares com ternura, acreditarei que tua alma olha a minha; quando olhares para o céu, acreditarei que tua mente se volta para a eternidade onde foi gerada. Vamos permanecer assim, não aprendas meu idioma e eu não procurarei encontrar no teu as palavras que expressem minhas dúvidas e meus medos. Quero ignorar o que fazes da tua vida e que papel desempenhas entre teus companheiros. Não quero nem mesmo saber teu nome. Oculta de mim tua alma, para que eu sempre possa acreditá-la bela.

Ouch.

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Texto escrito originalmente para um extinto projeto literário que fiz parte em 2017, e que republico aqui por trazer reflexões que considero pertinentes às questões abarcadas pelo blog. Nos tempos atuais, o amor é um assunto sempre em debate em nossas mentes e corações, não importa o período político que esteja em voga e, portanto, é sempre bom refletir criticamente sobre o tema. É válido ressaltar que, embora o post cite mulheres notáveis da história mundial, o livro mencionado no texto, que é escrito por uma inglesa, acaba por privilegiar figuras europeias.

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Como conversar com mulheres

Hoje o texto vai para aqueles rapazes que chegam em uma festa e não sabem como se aproximar desses exóticos exemplares da espécie humana: mulheres. Vai para os homens que, em uma fila de banco ou no ambiente de trabalho, não conseguem estabelecer diálogo algum com essas misteriosas criaturas. Ah, mulheres… Só de ler esta palavra, logo somos transportados para um mundo repleto de seres fantásticos e cheios de segredos. Mulheres! Figuras mágicas, divinas e, por vezes, inconstantes. Como entender o que se passa na cabeça dessa complicada parcela da população? O que será que tais mentes arquitetam, quando não estão pensando em batom, novela ou em comprar uma bolsa nova?

Quem nunca se sentiu paralisado diante da beleza feminina que atire a primeira pedra: lindos cabelos com produtos químicos, cílios postiços, seios com silicone… Todos amam a mulher do jeito que ela é! E chegar mais perto de uma delas para trocar uma ideia sempre pode ser, com certeza, muito interessante – desde que a escolhida seja loira, magra, não tenha muitas opiniões e esteja louca para transar, claro. Afinal, você não quer perder o seu tempo, não é mesmo?

Mulheres! Com certeza são a projeção real de suas fantasias, obtidas após muitos filmes, propagandas e sites obscuros acessados na calada da noite – com o volume no mute para a vizinhança não desconfiar de seus hábitos cotidianos. Portanto, venho aqui com o intuito de ser o facão que irá abrir a mata fechada que te impede de caminhar para perto das gatas. E trago boas notícias: adentrar o estranho universo feminino é mais simples do que parece. Quer saber o que você deve fazer para conversar com uma mulher?

  • ABRA A BOCA
  • FALE

Tcharam! Fácil, né? Mulher não é nenhum extraterrestre não, ou. Se você encontra problemas para conseguir falar com uma, não é porque somos difíceis de compreender. O mais provável é que os seus valores relacionados ao sexo feminino sejam tão deturpados, que você realmente acredite que exista um protocolo específico para lidar com a gente. Se os parágrafos anteriores deste texto não foram percebidos como uma completa ironia que simula todo o chorume estereotipante que se escreve – e que se impõe – sobre mulheres por aí, volte muitas casas no jogo da vida.

E mais: se você não consegue aproveitar a diversidade de mulheres ao seu redor para fazer amizades e conhecer coisas novas sem necessariamente uma transação sexual estar embutida nessa troca de ideias, o problema é seu ao se frustrar com uma expectativa não correspondida – e não delas. Você não é o cara legal que imagina ser caso acredite que sexo é uma recompensa obrigatória a ser dada para todos os que não tratam mal uma mulher. Enxergar mulheres primordialmente pela ótica de uma possível foda é deprimente pra vocês, que em 2017 ainda não perceberam que existimos para além disso, e desumanizante pra nós, que temos toda nossa subjetividade reduzida a esse tipo de coisa o tempo todo. Inclusive, acho muito estranha essa concepção masculina de querer planejar tudo previamente, como se estivesse montando uma armadilha, e não buscando viver um momento agradável e natural, que envolva ou não algo mais.

Nessas horas que a gente vê como a coisa tá feia: alguns caras acham que, só por ouvirem o que uma mulher tem a dizer, merecem uma condecoração. E o pior é quando reclamam da falta desse tipo de reconhecimento, como se fosse um sacrifício muito grande lidar com uma mulher ou como se fosse humilhante demais sair um pouco do papel grosseiro que a masculinidade impõe, não sei.

Se tem uma dica séria que posso dar é: não sigam dicas. Repense a sua relação com o sexo feminino e procure, dentro de você, o que pode estar te afastando das mulheres. Um amigo, dia desses, comentou que se ficasse solteiro, seria impossível ficar com alguém de novo, pois não consegue nunca conversar com uma mulher – elas sempre ficam bravas! No mesmo dia, ele havia julgado publicamente a aparência de várias minas e reduzido a tristeza de uma colega a “problemas com homem”. Não é difícil entender o porquê de as mulheres ao redor dele ficarem com raiva…

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allyson gutchell // allysongutchell.tumblr.com

E muitas dicas sobre ~como conversar com mulheres~ que li pela internet afora apenas disseminam estereótipos baratos sobre o sexo feminino (“ela vai gostar de você por causa do seu carro”, por exemplo) e ensinam táticas de manipulação, negging e outros tipos de abusos psicológicos e emocionais. Sabe como é, a gata não pode “se achar” muito, argh. A insegurança masculina é tão grande, que o ideal para muitos é diminuir a das mulheres também. É esse tipo de relação que você quer estabelecer com uma pessoa, mesmo? Dominar uma mulher não é conversar com ela – uma conversa é uma via de mão dupla.

Muitas vezes, mulheres percebem essas táticas de antemão, e se afastam. Ou percebem, mesmo quando não conseguem explicar muito bem, que tem algo de errado na forma que um cara fala sobre e com mulheres. Ou simplesmente não querem nenhum tipo de conversa e aproximação – e isso acontece com todo mundo, de todos os sexos, gêneros, orientações, sério, não apenas com rapazes. Antes de julgar, analise se já não fez o mesmo. Me parece muito mais comum homens sequer valorizarem o que uma mulher que não os atrai (ou que não está “disponível”) tem a dizer do que o contrário. E tem mais: mulher alguma tem a obrigação de disponibilizar tempo para outras pessoas quando ela não está afim. E homens precisam parar de achar que podem perturbar a paz de uma mulher em qualquer lugar e situação, mesmo sem contexto algum.

Por isso, quanto menos apego às fantasias e estereótipos sobre mulheres, mais fácil conversar com elas. Assim como os homens, mulheres são seres complexos, que possuem vários interesses e vontades. Ser uma pessoa mais aberta, sincera, com um timing maneiro e que realmente converse com outras, e não que apenas busque uma escada para a superioridade pisando em cabeças alheias, pode trazer muitas surpresas. Amores, amizades e até mesmo sexos casuais brotam em locais inesperados. E uma coisa eu garanto: ainda que existam muitas diferenças entre as pessoas, todas gostam de ser tratadas com humanidade. É bizarro ter que explicar isso.

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Mulheres não gostam de sexo ou homens não gostam de mulheres?

Antes de começar esse texto, gostaria de dizer que ele é voltado para relações entre mulheres e homens. E gostaria também de deixar duas frases em destaque:

  • Mulher “dá” quando ela quiser. Ou seja, pode ser no primeiro encontro. Ou no décimo. Ou nunca.
  • Ele só quer transar com você? Cai fora.

Como assim?

Por que estou escrevendo estas coisas? Bem, tenho visto muitos textos circulando por aí enfatizando que mulheres que se relacionam afetiva e sexualmente com homens podem “dar” no primeiro encontro sim. Outros dizem que é de boa que os homens só queiram sexo, se isso for o que a mulher quiser também. Que mulheres também sentem tesão. Etc. Não vou citar nenhum texto específico, porque meu intuito é falar de um problema generalizado, que é algo muito bem explicado nesse texto aqui: “A falácia da liberação sexual e as novas formas de dominação”.

Vejam bem, o fato de que mulher também sente tesão nem deveria estar em jogo. Os problemas que alguns seres humanos vivenciam hoje em dia no âmbito sexual não acontecem por essa questão, em geral (embora exista quem acredite que sim). A maior parte das pessoas – do sexo masculino ou feminino – sente desejos sexuais, se excita e possui a capacidade de alcançar orgasmos. No entanto, construímos narrativas sexuais diferentes para cada sexo. Basicamente, é aquele clichê: o homem tem que ser o garanhão e a mulher uma “dama recatada”. Essa pobreza de nuances deixa todo mundo no prejuízo – principalmente as mulheres, claro. Os homens podem sofrer com problemas eréteis, ejaculação precoce (uma sexóloga me disse uma vez, em uma conversa informal, que a maioria desses problemas é de origem psicológica) e uma pressão tremenda para corresponder a papéis que eles não querem ou conseguem. Mas, ainda assim, se na sociedade como um todo o poder é deles, todos os espaços acabam reproduzindo isso, o que engloba relacionamentos amorosos/sexuais. Logo, as mulheres, por estarem na parte inferior da hierarquia de gênero, estão infinitamente mais suscetíveis a abusos e violências.

(Sem contar que a ideia de “sexo”, no geral, é baseada principalmente no pênis-penetrando-a-vagina, o que torna a vivência sexual de todo mundo pouco ampla).

Se relacionar com homens é um constante risco

O sexo, na vida da mulher, é algo vivenciado de forma muito mais coercitiva e amedrontadora. Tipo, ela não pode transar, porque vai ser chamada de vadia, ao mesmo tempo em que tem que lidar, o tempo todo, com homens forçando a barra para transar com ela – ás vezes, os mesmos que vão chamá-la de vadia depois. É um ciclo confuso. E tem o fato de que ela é induzida a acreditar que o próprio valor vem da sua aparência e da sua capacidade de despertar desejo sexual, embora ela não queira ser resumida apenas a um corpo. E os discursos de liberação sexual buscam desconstruir toda a “repressão” da mulher como se ela fosse ~naturalmente~ reprimida, e não a sociedade que tentasse controlar o corpo dela (mas esquecem de falar da violência do homem). Daí surge um outro paradigma, que é a mulher que faz muito sexo mesmo, que não está nem aí. Porém, ainda assim, a problematização da violência masculina continua de lado e todas as mulheres, independente do que façam, continuam vulneráveis à situações desagradáveis e até mesmo criminosas (infelizmente são muitos os homens que acham que existe diferença entre sexo sem consentimento e estupro, por exemplo).

Quando falo de violência, não me refiro apenas a sexo forçado e outros atos explicitamente violentos. Estou me referindo também a violência psicológica, que se manifesta por meio de mulheres sendo chantageadas, isoladas e difamadas por conta de conduta sexual, mulheres transando sem querer transar, incitação à baixa autoestima feminina, controle e manipulação de corpos e comportamentos das mulheres, entre outras coisas.

Homens são ensinados a objetificar as mulheres

Vamos lá: a socialização do homem envolve a objetificação da mulher e o esvaziamento do subjetivo dela. Muitos homens, por exemplo, conseguem transar com mulheres que desprezam apenas pelo simples prazer de “conquistar” um novo “território”. Não vamos fingir que isso não acontece. A mulher, para ele, é uma coisa, e quanto mais coisas um homem conquista, mais poderoso se sente. Então quando um homem quer só sexo com uma mulher, eu aconselho que ela mantenha os olhos bem abertos.

“Deixa de ser moralista, aff”, você pode estar pensando. Eu já pensei assim também. É muito comum que misturem conservadorismo e críticas à desumanização da mulher em um mesmo balaio, para que a gente se sinta constrangida, chata e uncool e deixe esse papo de querer ser respeitada pra lá (a forma que as críticas contra a pornografia são tratadas são um belo exemplo disso).

Só que, hoje em dia, eu não acredito em “só sexo” (acho que nunca acreditei, na verdade). Com isso, não quero dizer que todas as relações devam se transformar em casamento-felizes-para-sempre. Por favor, né? Quero dizer que quando um homem diz querer só sexo com uma mulher e não se interessa pela maravilhosa pessoa que existe ao redor da vagina dela, isso é sim objetificação. Isso é resumir a mulher a um buraco de prazer (pra ele) cuja opinião ou pensamento não faz diferença. Como postei no Twitter um dia desses:

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Tanto que não são poucos os relatos de mulheres que praticam sexo casual e afins e depois são maltratadas e ignoradas na rua pelos rapazes com quem se relacionaram. Oras, a função delas foi cumprida, o que mais querem? Amizade? Respeito? Isso é algo que só os bróders e as minas-perfeitas-que-não-transam-cagam-falam-andam-opinam (ou seja, nenhuma) merecem, né?

Então, analisando todo esse cenário, é perfeitamente entendível porque muitas mulheres ainda tenham receio de “transar no primeiro encontro”. Uma simples trepadinha pode transformar uma mina na mártir-da-liberação-sexual-feminina e, gente, que preguiça desse alarde, né? Correr o risco de fazer um sexo que nem vale a pena e ainda ter que aturar isso se transformando em um grande embate ideológico cheio de ataques e defesas é de deixar qualquer uma sem vontade alguma de tirar a roupa. Muito drama pra pouca trama.

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“–Como que uma simples trepadinha pode render tanta dor de cabeça? Aff”

Acho que precisamos parar de pressionar as mulheres a transarem mais – ou menos – e começar a pensar nos homens. Por que eles separam mulheres em categorias? Por que eles acreditam que uma mulher só deve ser respeitada se “merecer”? O que é “merecer”, aliás? Por que dizem que não querem rótulos mas anseiam em rotular certas relações como “só sexo” já de cara? Por que eles tratam mulheres como objetos sexuais e não como seres humanas completas, capazes e interessantes? Por que eles riem e se gabam de histórias em que fizeram mal às mulheres (vide o caso recente do nojento do Alexandre Frota relatando praticamente um estupro em rede nacional)?

Ás vezes vejo discursos “empoderadores” incitando mulheres a transarem com quem elas quiserem e, bem, me parece uma forma de jogá-las aos leões, principalmente quando isso é dito para mulheres muito jovens (ainda mais se formos considerar que o número de predadores voando em cima de jovens é altíssimo. ATENÇÃO CARAS, usem a experiência de vocês pra construir algo que preste e não para manipular garotas inexperientes, vocês são ridículos).

Precisamos, primeiramente, conversar sobre consentimento, cuidado e respeito. Precisamos definir bem o que é “querer” e o que é “estar com a autoestima baixa e topar algo que não quer porque é o que tem pra hoje”. Precisamos definir que chantagem e coerção não são a mesma coisa que amor e desejo. Precisamos explicar que existem homens que rotulam mulheres de “putas” para que elas assimilem isso e fiquem com a autoestima ferida e estejam sempre disponíveis sexualmente. Ou fazem elogios frágeis e dizem que elas “são especiais” ou “não são como as outras” para que elas não se aproximem de mais ninguém e se sintam gratas por serem “valorizadas”.

É tudo muito mais complicado do que parece. Não é “frigidez”. Não é recato. Não é moralismo. É uma sociedade baseada em heterossexualidade compulsória e misoginia (e racismo, sempre bom lembrar), e que pratica um gaslighting sinistro contra a mulher, dizendo que ela precisa de homem, mas ela não pode transar, mas ela tem que satisfazer um homem, mas o corpo dela é sujo e imundo e fica cada vez mais sujo e imundo quando ela faz sexo, mas ela precisa fazer sexo, mas não muito, mas não pouco, mas não sem pênis. E o senso comum prega a existência de uma mulher infantilizada, sem pelos, maquiada, “sexy”, com a vagina cheirando a flores, com seios perfeitos, sem estrias, celulite, espinhas. É algo tão fora da realidade, que muitos homens se frustram com a mulher real e chegam a ter nojo dela.

Como eu já disse, é um tanto quanto confuso.

Então tá proibido transar?

Meu intuito aqui não é ser “anti-sexo”, mas discutir a forma que mulheres e homens se relacionam amorosa/sexualmente dentro de um regime machista. Muita mulher acha que, com o tempo, vai “mudar” o cara e fazer ele tratar ela direito e coisas do tipo. Temos que ser realistas: isso não acontece e não vai acontecer. E nem tinha que ser assim, porque mulher alguma deveria ter que provar ser “merecedora” de respeito. Os homens é que precisam começar a enxergá-las como reais e dignas de respeito em qualquer situação.

Para a segurança das mulheres, é preciso discutir sobre comportamentos masculinos recorrentes e danosos. Porque somos praticamente inseridas, sem conhecimento e sem consentimento, em relações desiguais e sádicas.

Logo, não estou contra o sexo, mas a favor do sexo bom de verdade, oras. Ou será utópico demais?

   “I believe in the radical possibilities of pleasure, babe”