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Por um feminismo para… mulheres

Primeiro, queria dizer uma coisa: andei bastante ocupada, o que acabou adiando um pouco a produtividade que eu pretendia ter com esse blog. Mas, aos poucos, tudo começa a seguir conforme o planejado. FÉ, IRMÃS. E, após ler tanta briga feminista internética extrapolando o limite da discussão de ideias e afetando seriamente a vida pessoal de várias mulheres, pensei um pouco no início da minha relação com o feminismo e no meu crescimento enquanto feminista. Pensei, mais precisamente, no início da minha relação VIRTUAL e ACADÊMICA com o feminismo e na importância da internet e da leitura como plataformas de disseminação de ideias. É nisso que vou focar aqui, e vocês já vão entender o porquê.

É o seguinte. Como filha de “mãe solteira” e membra de uma família recheada de mulheres, cresci um pouco mais ~atrevida~ do que minhas colegas de ~famílias tradicionais~ e tal. Mas ainda assim, era bem tímida e um pouco insegura. Na adolescência, comecei a escutar bandas de riotgrrrls e entrei em contato com meninas e zines feministas em shows “alternativos”. Mas ainda estava amadurecendo toda a questão, e reproduzia coisas como “yay, eu sou livre e escolhi ficar com o cara mais velho”, “me maquio porque gosto”, “prefiro amigo homem”, “fodam-se essas patricinhas” e etc.

No início da faculdade, escolhi o feminismo como tema para um trabalho (o primeiro de muitos). Os primeiros materias acadêmicos que entrei em contato foram os livros “Feminismo – Que história é essa?”, da Daniela Auad, “Breve história do feminismo no Brasil”, da Maria Amélia de Almeida Teles e o artigo “O novo movimento feminista”, da alemã Frigga Haug. Dei também uma lida incompleta no “A mulher na Sociedade de Classes”, da Heleieth Saffioti (que me empurrou, futuramente, para o ótimo “Gênero, Patriarcado e Violência”, dela também). Foi aí que minha ficha caiu de verdade e vi que feminismo era coisa séria. Foi aí que percebi que minhas vivências como mulher não eram “menores” e solitárias, que minhas “escolhas” não eram sempre uma escolha realmente, que meu corpo não era sujo e que eu não tinha culpa por certas coisas que faziam eu me sentir culpada.

Aqui vai o meu testemunho: fiquei viciada e glorifiquei o feminismo de pé! ALELUIA! Graças ao Orkut (sdds), encontrei comunidades em que poderia continuar debatendo & aprendendo. Era muita peça se encaixando na minha cabeça e eu não tinha quase ninguém pra conversar sobre. A comunidade “Feminismo & Libertação” foi a que mais fui ativa (e por meio dela conheci algumas feministas na vida real, que me apresentaram outras e outras e outras). A comunidade “Prática Feminista” era detestada por muitas por ser relativista demais (alguma semelhança com os tempos atuais? Hehe). Aprendi bastante na comunidade “Antipornografia” também. Entrei em contato com mulheres do Brasil inteiro, comecei a ler mil blogs e descobrir mais mil livros e autoras. E via críticas à Teoria Queer, à Judith Butler, à Camille Paglia (acho que essa parte é um consenso geral) e ao “Feminismo Radical”, que não me parecia tão demonizado quanto hoje, mas pode ser só impressão minha (aliás, se o feminismo em geral sofre com o backlash, o feminismo radical tem o seu backlash próprio, que parte, inclusive, de outras feministas). É que me parecia muito mais fácil discutir violências óbvias como pornografia e prostituição uns anos atrás do que agora. Ou a compulsoriedade da heterossexualidade e  da maternidade. Uns anos atrás, quem me chamava de moralista se eu abordasse os aspectos negativos dessas questões eram geralmente homens. Mas continuando. Fiquei triste quando as discussões no Orkut começaram a morrer. Sorte que grupos, páginas e perfis feministas logo começaram a surgir no Facebook e os debates continuaram!

(Por um tempo, me envolvi com questões relacionadas à transexualidade e assimilei parte do discurso. Porém, me deparei com lacunas com falta de evidências verificáveis e passei a questionar pontos desse ativismo. Não por ser “contra” ou desejar o mal de alguém, mas pelo bem da minha própria evolução e sanidade enquanto feminista.  Mais pra frente, pretendo retomar de forma mais aprofundada esse e vários outros pontos desse texto).

Onde quero chegar com tudo isso? É o seguinte:

Eu aprendi com outras mulheres. Seja nos livros, nos shows, na internet, nos zines, nas letras de música, nas conversas de bar ou em almoços de família.

Mais do que aprender, eu me importei com o que elas tinham a dizer. Isso não significa engolir tudo sem reflexão. Mas significa levar a sério o tempo e a dedicação das mulheres. Significa legitimar os nossos sentimentos e a nossa inteligência. A leitura teve um ponto essencial na minha formação porque foi o que ampliou meu conhecimento e me ensinou a pensar certas questões mais abstratas. Foi o que me deixou esperta em relação a manobras mal intencionadas de pessoas antifeministas e outras nem tão abertamente antifeministas assim (o que mais tem é “mascu” e afins criando lista de mulheres que não devem ser lidas porque eram/são “loucas”, “violentas”, isso e aquilo. Tirando a Valerie Solanas – que foi sim uma ótima escritora – que mulher praticou atos violentos notórios contra homens ou contra outras mulheres? Sequer conheço mulheres que pratiquem discurso de ódio. Nunca vi blog com foto de homem morto e dilacerado. Já entre homens celebrados e admirados, como será que fica essa lista?).

Mas leitura não basta. E nem todo mundo pode ou quer ir para a faculdade. Nem todo mundo tem tempo para ler. Nem todo mundo tem vontade ou coragem de participar de discussões. Mas todo mundo pode escutar, com empatia, as mulheres ao redor. História não é só o que está escrito, mas também o que outras pessoas viveram e podem te contar. Me entristece de verdade quando gente que era “mascu” racista e que ainda hoje reproduz misoginia é mais levado em consideração do que feministas que estão há anos ali, cavando o túnel mais à frente para que companheiras de trás andem com mais tranquilidade dentro dele. Claro que as pessoas mudam, mas vamos aprender a respeitar quem demonstra empatia e mantém sua coerência a mais tempo. Não é questão de “carteirada”, mas de preservação do que construímos e estamos construindo, juntas, unidas por um fio de raiva, amor e vivências em comum que nos guia rumo à libertação. Você quer continuar cavando esse túnel? Então não promova o obscurantismo. Não jogue mulheres fora, o patriarcado já tenta fazer isso desde sempre. Leia e conheça outras mulheres antes de excluí-las da sua vida. Não tenha medo de ir contra o que te mandaram fazer. Tire suas próprias conclusões e construa não apenas o “seu” feminismo, mas um feminismo para todas as mulheres.