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POSTO, LOGO EXISTO

Se eu não postar, então não aconteceu? Estou te vendo, fala comigo. Se demorar muito, posso perder o interesse. Ou ficar obcecada e te googlar até encontrar fotos que você tirou durante uma viagem de férias em dois mil e sete. E sabe-se lá o que mais. O tempo anda muito acelerado, não temos paciência e nem concentração. Antes, um livro inteiro era devorado em um dia. Hoje, pulo de aba em aba, tentando ler ao menos metade dos textos que guardei para depois. Mas, a cada aba fechada, surgem outras dez abertas.

Alimentamos o presente com um senso de urgência causado por uma constância excessiva de informações. No entanto, não nos damos o tempo da digestão: todo-mundo-tem-que-ter-uma-opinião-sobre-tudo. Agora, neste exato instante. A presença online é um misto de marketing pessoal com doses amargas de autossabotagem. Jogamos The Sims com a nossa própria imagem. Quem sou eu, para além do meu avatar?

Notificações ativam o sistema de recompensa de nossos cérebros. Experimentos behavioristas, entretenimento ou construção coletiva de conhecimento? Like me, please. Pay attention to me. Tecnohedonistas em um panóptico virtual. Vigiar, punir, mandar nudes e ver uns gifs de gatinho. Novos formatos para antigos valores e a velha cooptação empresarial de sempre. A democracia continua a ser um sonho não colocado em prática. O seu desabafo não deixa de ser conteúdo gratuito. Passos mapeados, cliques monitorados e mentes controladas. Como é mesmo que se descobria as coisas antes de elas simplesmente aparecerem em nossas timelines?

Não quero instruções de uso e sim alguém que me ajude a montar. Dizer que faz não é fazer. Confirmar presença não é ir. Digitar dirigindo é vício? De qualquer maneira, deixa meu celular aqui embaixo do travesseiro. Gosto de dar olhadinhas nele antes de dormir e depois de acordar. De manhã, de tarde e de noite. Estamos livres e aprisionados. No que você está pensando agora?

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Este texto é a introdução do zine VULVA CONEXÃO, que lancei em junho de 2017 com o intuito de reunir algumas inquietações pessoais em relação a temas que envolvem principalmente capitalismo, machismo, seres humanos & a nossa querida rede mundial de computadores. Caso queira adquirir, ler na íntegra ou compartilhar os seus próprios pensamentos, deixe um comentário ou mande um email para vulvalarevolucion@gmail.com.

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Pessoas brancas criticando “Feminismo Branco” perpetuam privilégio branco

O texto a seguir foi escrito em 2015 por Claire Heuchan, autora do blog Sister Outrider. Feminista radical, negra, lésbica e escocesa, ela é também mestranda em literatura com ênfase em estudos de gênero, e sua pesquisa se foca em Teoria Feminista Negra, ativismo e escrita. Se você lê em inglês, vale a pena procurar outros textos dela por aí. A tradução foi feita por mim e pela Carol Correia, que tem feito um ótimo trabalho em traduzir materiais do inglês para o português com o intuito de disseminar mais informações sobre feminismo em nossa língua. 

Gostei do texto por ser curto e direto. E é um convite à reflexão para as feministas brancas. Lutar contra o racismo é um papel de todas nós, mas é preciso uma postura ativa, que promova mudanças reais e eficazes. Não adianta só repetir palavras vazias e discursos simplistas. O racismo é um sistema complexo que embasa a nossa sociedade e precisamos entendê-lo para exterminá-lo. E é um assunto que deve ser tratado com seriedade, e não como um mero atalho para impulsionar a própria imagem de forma positiva. Boa leitura!

Se você se envolve em discussões feministas online, as chances são que você já tenha notado uma expressão particular se tornando cada vez mais comum: Feminismo Branco. Algumas vezes até mesmo um símbolo de marca registrada é adicionado, para dar ênfase. O termo Feminismo Branco tornou-se uma abreviação para certas falhas dentro do movimento feminista;  das mulheres com um determinado grau de privilégio falhando em escutar as irmãs mais marginalizadas; das mulheres com um determinado grau de privilégio falando por cima dessas irmãs; das mulheres com um determinado grau de privilégio centralizando o movimento ao redor de problemas que abrangem apenas a gama das próprias experiências delas. Originalmente, o termo Feminismo Branco era utilizado por mulheres não-brancas para abordar o racismo dentro do movimento feminista – uma crítica válida e necessária.

Ainda que mulheres brancas estejam em desvantagem pessoal e política por conta da ordem social vigente construída em cima de misoginia, elas também se beneficiam com o racismo institucional – queiram elas ou não.  Mesmo mulheres brancas com firmes políticas contra o racismo não podem excluir que se beneficiam do privilégio branco; que mulheres brancas recebem mais (embora deficiente) visibilidade da mídia do que suas irmãs negras e de minorias étnicas; que existe uma diferença salarial extensa em relação às mulheres não-brancas e que existe um aumento significativo do risco de violência policial que molda a realidade vivida por mulheres negras. É assim que o privilégio branco funciona. Nós vivemos em uma cultura impregnada de racismo, com uma grande quantidade de riqueza do nosso país decorrente do tráfico de escravos. Bem como a misoginia, leva-se muito tempo e reflexões conscientes para desaprender o racismo. É um processo de aprendizagem no qual nunca nos graduamos totalmente. Mulheres não-brancas desafiando o racismo de dentro do movimento feminista nos dá a oportunidade de conscientemente nos desligarmos de comportamentos recompensados pela supremacia branca do patriarcado.

No entanto, a expressão Feminismo Branco não está mais sendo usada exclusivamente por mulheres não-brancas para contestar o racismo que enfrentamos. Recentemente, tornou-se socialmente obrigatório para feministas brancas usarem o termo para descartar outras feministas brancas com as quais elas não concordam como incorporadoras do Feminismo Branco. As pessoas brancas começaram a chamar a atenção de outras pessoas brancas pela… branquitude. Não estou brincando. Em um artigo recente para a VICE, de alguma forma irônico, Paris Lees lamenta que “feministas brancas têm maiores plataformas de mídia…”. A artista Molly Crabapple, com plataforma de mídia e renda considerável (a não ser que se juntar à Samsung tenha sido um ato de caridade), fez tweets para invalidar pontos de vista, por conta do privilégio, das “senhoras brancas chiques“. Mas, daqui de onde estou sentada, ambas Paris e Molly parecem muito confortáveis.

Em vez de amplificar as vozes das mulheres não-brancas, ou de usar as próprias plataformas para destacar a intersecção entre raça e gênero, uma série de feministas brancas liberais sequestraram a crítica ao racismo com o intuito de dar suporte à própria imagem de progressistas – como se fossem o tipo certo de feminista, não uma Feminista Branca. Mas a cooptação da análise das mulheres não-brancas sobre o racismo dentro do movimento feminista é exatamente o tipo de comportamento para o qual a expressão “Feminismo Branco” foi criada para impedir. Pessoas brancas criticando “Feminismo Branco” perpetuam o privilégio branco. Priorizar a própria imagem, colocando-a acima da luta anti-racista liderada por mulheres não-brancas é, na melhor das hipóteses, narcisista, e na pior, racista. Essas ações apoiam a noção de que o racismo enfrentado por mulheres não-brancas é uma questão secundária, não uma preocupação principal dentro do movimento feminista.

Mulheres brancas usando o “Feminismo Branco” como uma vara para bater umas nas outras, e não como uma indução para que o próprio racismo seja considerado, é a branquitude em seu auge. Na corrida para “se lavar do privilégio”, as feministas brancas tornam-se as temidas Feministas Brancas por conta da apropriação indevida das palavras de suas irmãs marginalizadas para ganho pessoal.

Texto original aqui.

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imagem via navy-bleu.tumblr.com

 

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Trolls odeiam mulheres, pelos e a insubmissão feminina

Nos últimos dias, a página da Vulva Revolução no Facebook recebeu ataques de trolls por conta de uma postagem antiga que, por algum motivo, voltou a circular. O post em questão é a imagem abaixo, onde escrevi a seguinte legenda: Até quando vamos chamar nossas características de “defeitos”?.

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Desenho por Fernanda Moreira

Como podemos ver, a ilustração traz o desenho de corpos brancos, negros, gordos, magros, com pelos, estrias e outras características. No entanto, o que era pra ser algo corriqueiro, é encarado como um absurdo. Essa simples postagem de caráter motivacional e empoderador recebeu comentários assim:

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Sendo o espaço virtual uma continuação do que chamamos de “vida real” (ou um cruzamento, visto que não existem fronteiras muito bem delimitadas), essa invasão de trolls é um reflexo de como o ~mundo offline~ percebe (e recebe) as mulheres – principalmente as insubmissas e que querem se aceitar como são. Ainda que não seja fisicamente presencial, a internet é um espaço público. E a entrada de mulheres em espaços públicos é recente e, pelo visto, indesejável. Basta analisarmos o tanto de assédio que recebemos em todo lugar, o tempo todo, para perceber isso.

Todos esses tipos de corpos mostrados – e muitos outros – existem de verdade. Mas vivemos em uma sociedade que prefere ver a diferença como uma doença a ser tratada: laser para retirar estrias, massagem para acabar com a celulite, creme para clarear a pele, cirurgia plástica para diminuir o nariz, depilação em qualquer parte do corpo que tenha pelo, shampoo para controlar o volume do cabelo, escova para alisar os fios, pinça para pinicar a sobrancelha, cinta para afinar a cintura, short modelador para esconder o quadril, lipoaspiração para sugar a gordura localizada, dieta para emagrecer… Ufa! É tanta coisa, que eu poderia passar o dia escrevendo, e ainda assim não caberiam todos os procedimentos estéticos, cirúrgicos e afins que existem para ~consertar~ a mulher.

Porém, uma olhada mais atenta aos itens que acabei de listar nos mostra algo muito importante: o padrão estético atual não é apenas misógino, mas também muito racista. A “mulher ideal” é um mito que quase nenhuma de nós vai alcançar – e é justamente isso que torna o mercado da beleza tão lucrativo. Como ratinhas presas em uma gaiola, as mulheres gastam muito tempo e dinheiro rodando loucamente em busca da suposta “perfeição”. E não é necessariamente porque elas querem ou são fúteis, como muita gente gosta de dizer, reforçando estereótipos misóginos: para muitas, não existe emprego, vida afetiva e um pingo de respeito se não houver um mínimo de adequação ao padrão.

Só que quando a gente começa a perceber e questionar esse sistema publicamente, um movimento contrário começa a querer nos parar. Existem inúmeros relatos de mulheres hostilizadas na rua porque deixaram crescer os pelos do corpo, de patrões que mandaram funcionárias alisarem os cabelos crespos, de mulheres gordas que ousaram ir para a balada e foram maltratadas pela casa noturna, de outras feministas que são perseguidas na internet por trolls, etc. E, além dessas agressões diretas, discursos indiretos que chegam até nós por meio de propagandas, comentários de pessoas conhecidas, programas de televisão e milhares de outras formas reforçam que, eww, pelo é sujo, uma gordurinha de nada é doença e celulite é a pior coisa que uma mulher pode ter na vida.

Mas ninguém para pra pensar que, ué, por que uma perna peluda de homem é observada com tanta naturalidade, enquanto uma mulher que faz o mesmo é vista como A Coisa Mais Repulsiva Do Universo? Qual a diferença fundamental entre ambos? Hm. Acho que sei.

Poder.

Como assim? Vou dizer. Vivemos em desigualdade e uma das formas de controlar a mulher é fazer ela acreditar que a meta da vida dela é ser bonita e atraente – para homens, principalmente, claro. Isso a mantém em um papel de passividade e gera lucro. E os homens também acreditam que a função das mulheres é ter uma aparência que os agrade. Tanto que os trolls que invadiram minha página, por exemplo, e tantos outros que já vi por aí, dizem coisas como “mas eu não quero comer uma mulher peluda”, “eu não enfio meu pau em uma gorda”, “não encosto meu pinto em quem tem celulite”, “gosto de buceta assim e assado”, etc. Já ouvi até conhecidos meus dizendo coisas do tipo, putz.

Rapazes, assimilem uma coisa: a piroca de vocês não é parâmetro pra porcaria nenhuma. A gente não tá nem aí com o que vocês fariam ou deixariam de fazer com ela. É violenta essa mania dos caras de achar que só tem valor a mulher que eles “pegariam” – e que a mulher “ao natural” é nojenta. No fim das contas, ambas se fodem, a que eles pegariam ou não: a primeira por ser assediada por babacas desse tipo e a segunda por ser hostilizada por babacas desse tipo. É tudo agressão, em diferentes níveis.

Outros reclamam que estão sendo “obrigados” a achar qualquer mulher bonita, que beleza não é construção social, e falam de evolução dentro dos contextos mais esdrúxulos possíveis, tipo: “o nojo veio para proteger o homem de comer carne podre e por isso ter nojo de pelo de mulher é normal”. Oi??? Qual a relação? Eu JURO que tive que ler isso. E, mais uma vez: pouco importa o que vocês acham. A gente só quer respeito em qualquer situação, é simples. Se o respeito vem com fatores condicionantes (“ai, mas só respeito mulher que…”), não é respeito, é discriminação com as que não cumprem os requisitos surreais e fantásticos impostos.

E a depilação, por exemplo, faz mais mal do que bem: além do gasto que envolve, muitas mulheres têm alergias a cera ou ficam cheia de bolinhas na pele quando passam lâmina. Sem contar que os pelos na região pubiana barram a entrada de microorganismos e protegem contra o atrito causado no ato sexual. Outros procedimentos voltados para a “manutenção da beleza” são ainda mais perigosos para a nossa saúde e colocam a nossa vida em risco. Portanto, é importante sim que a gente desmistifique essa cultura de mulher-de-plástico, para evitar que a mídia & a indústria enfiem o que quiserem em nossas cabeças. Como eu já disse, a busca pela cura dos nossos “defeitos” movimenta um mercado enorme.

O engraçado é que a invasão de trolls começou após algum deles mostrar o post em um grupo chamado “Libertarianismo”. Essa galera adora fingir que respeita liberdade individual da mesma forma que certos “humoristas” defendem a ~liberdade de expressão~: eles falam o que quiser, mas se você falar também, aí sua boca tem que ser calada a força. Ou seja, liberdade individual que abale as estruturas do status quo não pode. É interessante perceber também como esse tipo sempre anda em bando, na internet ou fora dela, agindo de forma agressiva e intolerante. Chega a ser assustador esse senso de coletividade que surge no homem e tira todo o senso crítico dele: como formiguinhas, eles atacam em grupo e cometem barbaridades que vão desde xingamentos até espancamentos e estupros. Tudo faz parte de uma mesma lógica.

A masculinidade é realmente muito frágil e precisa o tempo todo ser reafirmada pela tentativa de subjugação daqueles considerados inferiores. Por mais bobo que seja, por mais que seja “só internet”, essas tretas são um exemplo de como o elo masculino é construído também pela tentativa de derrubar outras pessoas (as guerras que o digam!):

trolls

E eu até entendo. Esse negócio de repensar os padrões estéticos é perigoso mesmo. Daqui a pouco as mulheres não estarão mais se depilando, nem pintando o cabelo, nem passando fome com o intuito de emagrecer. E elas, que já andam se destacando em escolas, universidades, postos de trabalho e outras atividades, podem acabar percebendo que ser musa é o caramba, o negócio é fazer a arte. E que o valor delas está muito além de um casamento falido com caras que buscam, em um pacote só, empregada doméstica, cozinheira e psicóloga grátis. Elas vão perceber que não precisam ter um relacionamento a qualquer custo, muito menos com um homem, até porque estarão financeiramente e emocionalmente empoderadas. Elas irão viajar e tocar projetos pessoais, escrever, dançar e ocupar todos os espaços que desejarem.

E aí quem vai preparar o Toddy de vocês?

Bônus: 

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Um pouco mais desses ~jênios~ da argumentação pra vocês

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Por um feminismo para… mulheres

Primeiro, queria dizer uma coisa: andei bastante ocupada, o que acabou adiando um pouco a produtividade que eu pretendia ter com esse blog. Mas, aos poucos, tudo começa a seguir conforme o planejado. FÉ, IRMÃS. E, após ler tanta briga feminista internética extrapolando o limite da discussão de ideias e afetando seriamente a vida pessoal de várias mulheres, pensei um pouco no início da minha relação com o feminismo e no meu crescimento enquanto feminista. Pensei, mais precisamente, no início da minha relação VIRTUAL e ACADÊMICA com o feminismo e na importância da internet e da leitura como plataformas de disseminação de ideias. É nisso que vou focar aqui, e vocês já vão entender o porquê.

É o seguinte. Como filha de “mãe solteira” e membra de uma família recheada de mulheres, cresci um pouco mais ~atrevida~ do que minhas colegas de ~famílias tradicionais~ e tal. Mas ainda assim, era bem tímida e um pouco insegura. Na adolescência, comecei a escutar bandas de riotgrrrls e entrei em contato com meninas e zines feministas em shows “alternativos”. Mas ainda estava amadurecendo toda a questão, e reproduzia coisas como “yay, eu sou livre e escolhi ficar com o cara mais velho”, “me maquio porque gosto”, “prefiro amigo homem”, “fodam-se essas patricinhas” e etc.

No início da faculdade, escolhi o feminismo como tema para um trabalho (o primeiro de muitos). Os primeiros materias acadêmicos que entrei em contato foram os livros “Feminismo – Que história é essa?”, da Daniela Auad, “Breve história do feminismo no Brasil”, da Maria Amélia de Almeida Teles e o artigo “O novo movimento feminista”, da alemã Frigga Haug. Dei também uma lida incompleta no “A mulher na Sociedade de Classes”, da Heleieth Saffioti (que me empurrou, futuramente, para o ótimo “Gênero, Patriarcado e Violência”, dela também). Foi aí que minha ficha caiu de verdade e vi que feminismo era coisa séria. Foi aí que percebi que minhas vivências como mulher não eram “menores” e solitárias, que minhas “escolhas” não eram sempre uma escolha realmente, que meu corpo não era sujo e que eu não tinha culpa por certas coisas que faziam eu me sentir culpada.

Aqui vai o meu testemunho: fiquei viciada e glorifiquei o feminismo de pé! ALELUIA! Graças ao Orkut (sdds), encontrei comunidades em que poderia continuar debatendo & aprendendo. Era muita peça se encaixando na minha cabeça e eu não tinha quase ninguém pra conversar sobre. A comunidade “Feminismo & Libertação” foi a que mais fui ativa (e por meio dela conheci algumas feministas na vida real, que me apresentaram outras e outras e outras). A comunidade “Prática Feminista” era detestada por muitas por ser relativista demais (alguma semelhança com os tempos atuais? Hehe). Aprendi bastante na comunidade “Antipornografia” também. Entrei em contato com mulheres do Brasil inteiro, comecei a ler mil blogs e descobrir mais mil livros e autoras. E via críticas à Teoria Queer, à Judith Butler, à Camille Paglia (acho que essa parte é um consenso geral) e ao “Feminismo Radical”, que não me parecia tão demonizado quanto hoje, mas pode ser só impressão minha (aliás, se o feminismo em geral sofre com o backlash, o feminismo radical tem o seu backlash próprio, que parte, inclusive, de outras feministas). É que me parecia muito mais fácil discutir violências óbvias como pornografia e prostituição uns anos atrás do que agora. Ou a compulsoriedade da heterossexualidade e  da maternidade. Uns anos atrás, quem me chamava de moralista se eu abordasse os aspectos negativos dessas questões eram geralmente homens. Mas continuando. Fiquei triste quando as discussões no Orkut começaram a morrer. Sorte que grupos, páginas e perfis feministas logo começaram a surgir no Facebook e os debates continuaram!

(Por um tempo, me envolvi com questões relacionadas à transexualidade e assimilei parte do discurso. Porém, me deparei com lacunas com falta de evidências verificáveis e passei a questionar pontos desse ativismo. Não por ser “contra” ou desejar o mal de alguém, mas pelo bem da minha própria evolução e sanidade enquanto feminista.  Mais pra frente, pretendo retomar de forma mais aprofundada esse e vários outros pontos desse texto).

Onde quero chegar com tudo isso? É o seguinte:

Eu aprendi com outras mulheres. Seja nos livros, nos shows, na internet, nos zines, nas letras de música, nas conversas de bar ou em almoços de família.

Mais do que aprender, eu me importei com o que elas tinham a dizer. Isso não significa engolir tudo sem reflexão. Mas significa levar a sério o tempo e a dedicação das mulheres. Significa legitimar os nossos sentimentos e a nossa inteligência. A leitura teve um ponto essencial na minha formação porque foi o que ampliou meu conhecimento e me ensinou a pensar certas questões mais abstratas. Foi o que me deixou esperta em relação a manobras mal intencionadas de pessoas antifeministas e outras nem tão abertamente antifeministas assim (o que mais tem é “mascu” e afins criando lista de mulheres que não devem ser lidas porque eram/são “loucas”, “violentas”, isso e aquilo. Tirando a Valerie Solanas – que foi sim uma ótima escritora – que mulher praticou atos violentos notórios contra homens ou contra outras mulheres? Sequer conheço mulheres que pratiquem discurso de ódio. Nunca vi blog com foto de homem morto e dilacerado. Já entre homens celebrados e admirados, como será que fica essa lista?).

Mas leitura não basta. E nem todo mundo pode ou quer ir para a faculdade. Nem todo mundo tem tempo para ler. Nem todo mundo tem vontade ou coragem de participar de discussões. Mas todo mundo pode escutar, com empatia, as mulheres ao redor. História não é só o que está escrito, mas também o que outras pessoas viveram e podem te contar. Me entristece de verdade quando gente que era “mascu” racista e que ainda hoje reproduz misoginia é mais levado em consideração do que feministas que estão há anos ali, cavando o túnel mais à frente para que companheiras de trás andem com mais tranquilidade dentro dele. Claro que as pessoas mudam, mas vamos aprender a respeitar quem demonstra empatia e mantém sua coerência a mais tempo. Não é questão de “carteirada”, mas de preservação do que construímos e estamos construindo, juntas, unidas por um fio de raiva, amor e vivências em comum que nos guia rumo à libertação. Você quer continuar cavando esse túnel? Então não promova o obscurantismo. Não jogue mulheres fora, o patriarcado já tenta fazer isso desde sempre. Leia e conheça outras mulheres antes de excluí-las da sua vida. Não tenha medo de ir contra o que te mandaram fazer. Tire suas próprias conclusões e construa não apenas o “seu” feminismo, mas um feminismo para todas as mulheres.

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Hello, world, I’m your wild girl!

Olá, pessoas. Sejam bem-vindas ao meu primeiro post! Por muito tempo pensei: “deveria este lindo blog chamar-se VULVAREVOLUÇÃO”? Tive medo de um mero trocadilho feito com o intuito de imprimir uma cara feminista à um espaço virtual de assuntos diversos (e com o objetivo de enaltecer a BUCETA também, why not?) ser interpretado de forma errônea. Algumas amigas disseram “uau”, um ex-namorado disse “eu não leria um treco com esse nome” e minha mãe achou esquisito, como acha todo o resto das coisas que eu faço. Sucesso!

Porém, tive medo também de estar sendo ~transfóbica~ ou algo do gênero, colocando a vulva como centro da representação da “mulheridade”. E pra fechar a lista, receei estar sendo boba, rasa ou hipersexual (não que eu ache que falar de vulva seja igual falar de sexo, MAS OLHA O MUNDO QUE A GENTE VIVE, NÉ). Ou sei lá. Já comentei brincando uma vez que ser mulher é ter medo e, putz, isso é bem verdade. Porque além dos perigos reais e concretos à que estamos expostas o tempo inteiro pelo simples fato de sermos mulheres, ainda existem as armadilhas mentais sabotadoras que desenvolvemos por conta de uma sociedade que nos diz que nunca somos boas o suficiente: “e se eu falar/fizer merda?”, “melhor ficar quieta”, “melhor me preservar”, etc. MAS ISSO TUDO PODE SER REVERTIDO! 🙂

Voltando a vulva (que vovó viu — brinks). Não sou apenas ela. E ser mulher não é apenas ter uma. Mas é também, é bastante, é muito. Quando eu era bebê, o médico olhou para minha vági e constatou: “é uma menina”. A partir daí, minha vida foi toda delineada em cima de um conceito compulsório sobre ~ser mulher~, baseado principalmente em construções socioculturais e características do meu corpo. Eu mal tinha chegado ao mundo e FURARAM MINHA ORELHA E COLOCARAM BRINCOS FÓFIS EM MIM, CARAMBA — a palhaçada já começou aí. Depois vieram as demonizações x santificações x pode x não pode… Ah! É um binarismo tão maluco (“seja santa, mas seja sexy”, “cozinhe bem, mas coma pouco”, e assim vai), de deixar qualquer uma desnorteada! Fora o estado constante de terror e pânico, onde uma rua vazia ou até mesmo nossas próprias casas podem se tornar palco de uma situação ruim, tanto por culpa de estranhos quanto de conhecidos. Entre milhões de outras coisas.

Logo, estou aqui para compartilhar um pouco da minha experiência enquanto eu & enquanto mulher, características praticamente impossíveis de serem desconectadas uma da outra nesse momento atual (HOJE CONTEMPORANEIDADE, digo), visto que meu eu foi todo construído em cima da mulher, com muita luta, muito desvio, muita porrada — e muito amor também. E eu precisava de um espaço para canalizar uns pensamentos, amadurecer umas ideias, escrever umas paradas, traduzir uns textos e, claro, dialogar com outras pessoas. Acho que é isso. Bjksssss.

"Pussy rings", da Grimes

“Pussy rings”, da Grimes